Por Mestre Sergio Santos
Tantra, ou Tántrika, é uma filosofia comportamental originária do período dravídico e pré-dravídico.
O Sanskrit-English Dictionary de Monier-Williams traduz o termo Tantra como encordoamento
de um instrumento musical; regulado por uma regra geral; relativo aos
tantras; a música de um instrumento de cordas.
A
palavra Tantra pode ser analisada sob diferentes pontos de vista, como,
por exemplo, trama do tecido ou teia. Interpretada de maneira poética e
iniciática, seria algo como uma teia de aranha na floresta pela manhã,
incrustada de gotas de orvalho, parecendo com sutis diamantes brilhando
ao sol. E quando essa teia fosse tocada grosseiramente pelo profano, se
desvaneceria instantaneamente.
Noutra abordagem, a palavra Tantra pode ser dividida em duas partes. A raiz tan nos dá uma idéia de sabedoria, e tra (instrumento,
mecanismo), noção de espalhar ou de salvar. Portanto, de caráter mais
filosófico, Tantra é definido como “aquilo que esparge a sabedoria”.
Acrescentamos finalmente mais uma interpretação, utilizada por Shivánanda. Sintética e genericamente, ele define: “Tantra explica o conhecimento relativo a tattwa e mantra”. Tantra Yôga, Nada Yôga, Kriyá Yôga, pág. 25.
Existem três fases históricas do Tantra: a mais antiga, do período Pré-Clássico, dravídico; a Clássica, adaptada aos costumes arianos; e a Medieval, marcada intensa produção literária, a partir da qual temos acesso hoje em dia. As duas primeiras fases foram influenciadas pela filosofia Sámkhya; enquanto a última fase, pelo Vêdánta.
Nos
dois primeiros capítulos deste livro vimos como determinadas
características culturais aborígenes da Civilização Harappiana acabaram
por ser absorvidas pelos arianos. Muitas práticas dravídicas foram
expressas num variado simbolismo, fazendo com que o Tantra tomasse parte
importante na formação do hinduísmo.
Os textos tântricos surgiram na Índia, aproximadamente, entre os séculos iv d.C. e viii d.C.
Durante esse período, tiveram tanta força que influenciaram outras
filosofias, artes, ciências e religiões. Por isso, é freqüente
encontrarmos escritores que, ao discorrerem sobre o Tantra falam dele
como tendo nascido durante esses quatro séculos. Foi nessa época que
surgiram os primeiros documentos escritos em papel, conquanto a tradição
tântrica já existisse milênios antes de ser registrada em livros.
O Tantra ressurgiu
no período medieval bastante marcado por uma linguagem devocional e
influenciado pelo espírito religioso da época. Por isso, quase toda a
literatura tântrica é marcada por tais características.
Durante
a sua evolução histórica, o tantrismo ultrapassou as fronteiras da
Índia, seu local de origem. Podemos observar a sua influência na China,
no Tibet e no Camboja, onde foi incorporado pelo budismo, lamaísmo e
taoísmo, respectivamente. Como uma das propostas deste livro é
concentrarmos nas origens mais antigas das tradições, estudaremos o
tantrismo apenas sob a ótica hindu.
Há mais de quinhentos Tantra Shastra.
São obras que se destacam por excessivo ritualismo e grande
complexidade literária, difícilmente compreendidas nos dias atuais. Não
nos esqueçamos que a linguagem utilizada para transcrever esse tema foi
desenvolvida dentro de uma sociedade brahmáchárya, ainda por cima na
Idade Média, logo, vêdantizada. Finalmente, tudo foi traduzida para o inglês, e interpretado sob uma inegável influência cristã.
Como
se isso não bastasse, muitos livros desse período medieval encontram-se
inacabados enquanto outros permanecem reticentes em pontos importantes.
“Grande parte dos textos se perdeu, foi extraviada ou destruída e dos
que sobraram, somente foi impressa uma parte, cujas inúmeras versões,
geralmente, se contradizem.” (John Woodroffe, Princípios del Tantra, pág.
31). Em suma, não podemos chegar ao verdadeiro conhecimento do Tantra
baseando-se simplesmente em livros, mesmo clássicos antigos.
O
Tantra em si diz respeito a todo um padrão comportamental que foi
marginalizado. Após as primeiras incursões arianas na Índia, o modo de
vida dos drávidas foi condenado e, bem mais tarde, na Idade Média, é que
essa tradição mais antiga emergiu sendo novamente exercida, ainda que
adaptada aos costumes da época.
Em
sua forma mais autêntica, essa filosofia comportamental distingue-se
por ser gupta vídya, ou seja, conhecimento secreto. Por isso, a única
via de acesso à aprendizagem eficaz e genuína é aquela que tem sido
perpetuada, até hoje, no mundo inteiro, através da relação
Mestre-discípulo.
Características
e Princípios Tântricos
O
que mais caracteriza os povos antigos, dravídicos e pré-dravídicos da
Índia, é a relevância da mulher no contexto social. As divindades
femininas do hinduísmo, as shaktís, simplemente representam a forma mitológica e simbólica daquela sociedade matriarcal primitiva.
No Rig Vêda, por exemplo, a Shaktí é descrita como residente no Céu e como aquela que sustenta a Terra. A Taittiríya Upanishad diz:
“considera tua mãe como uma deusa”. E Mircea Eliade conclui: “O que
existe na Índia atual, em relação ao culto às divindades femininas, nada
mais é que um segmento da herança matriarcal dos povos antigos” (Yôga. Inmortalidad y Liberdad, pág. 331).
A
palavra Shaktí significa energia ou força. Pode ser interpretada sob
três aspectos. O primeiro, popular, é simbolizado pelas imagens e
expressado na devoção às divindades femininas do panteão hindu, tais
como Saraswatí, Lakshmí, Kalí, Parvartí, etc. Nesse aspecto, a Shaktí é
conhecida como a mãe divina: aquela que gera, nutre e protege. O segundo
aspecto se refere à própria mulher, como esposa ou companheira. Por
último, ela diz respeito à energia adormecida em cada ser humano,
chamada kundaliní.
Por força do matriarcalismo tântrico, evidenciam-se as outras duas características: a sensorialidade e a desrepressão.
Conforme
escreve o Mestre DeRose, “Toda sociedade na qual a cultura não era
centrada na guerra, valorizava a mulher e até mesmo a divinizava, pois
ela era capaz de um milagre que o homem não compreendia nem conseguia
reproduzir: ela dava a vida a outros seres humanos. Gerava o próprio
homem. Alimentava-o com seu seio. Por isso era adorada como encarnação
da divindade mesma. E mais: através das práticas tântricas, era a mulher
que despertava o poder interno do homem por meio do sexo sacralizado.
Ainda hoje ela é reverenciada assim na linha tântrica.”
“Daí,
a qualidade matriarcal. Dela desdobram-se as outras duas
características. A mãe dá luz pelo seu ventre – isso é sensorial.
Alimenta o filho com o seu seio - isso é sensorial também. Não poderia
ser contra a valorização do corpo, não poderia ser anti-sensorial como
os brahmácháryas. A mãe é sempre mais carinhosa e liberal do que o pai,
até mesmo pelo fato de o filhote ter nascido do corpo dela e não do
dele. E também porque é da natureza do macho ter mais agressividade e
menos sensibilidade. Pode ser que tal comportamento tenha muita
influência cultural, mas é reforçado, sem dúvida, por componentes
biológicos.”
“Por tudo isso e ainda como conseqüência da sensorialidade, desdobra-se a qualidade desrepressora do Tantra” (Yôga: Mitos e Verdades, Mestre DeRose, pág 127, 36a. ed.).
O comportamento tântrico está isento de censura ou sentimento de culpa,
um condicionamento cultural da sociedade brahmáchárya que dá valor,
principalmente, à castidade. No judaísmo, cristianismo e islamismo, por exemplo, a
evolução interior só pode ser obtida pelo sofrimento e pelo controle
dos impulsos, desejos e sentimentos. Ao contrário, a cultura tântrica,
provavelmente a única desse tipo no mundo, demonstra que a
espiritualidade pode ser desenvolvida através da desrepressão e do
prazer.
Shivánanda,
Mestre de Yôga de linha Brahmáchárya/Vêdánta (portanto, oposta à
estirpe Tantra/Sámkhya), ainda assim faz elogios ao tântrismo, dizendo
que “desdenhar ou negar as necessidades do corpo pensando que elas não
são atos sagrados é desdenhar e negar a grandeza da unidade do todo, da
identidade última da matéria e do que há além dela (...). As mais
grosseiras necessidades físicas têm uma significação cósmica. O corpo é
Shaktí. Suas necessidades são necessidades de Shaktí; quando o homem
regozija-se, é Shaktí quem regozija através dele.” (Kundaliní Yôga, S. Shivánanda, pág. 25).
No
hinduísmo existem dois movimentos culturais que caminham lado a lado,
mas nunca se tocam. Um deles, mais recente (com cerca de 3.000 anos!),
chama-se váidika. Refere-se àquilo que está nos Vêdas.
O outro movimento, mais antigo, chama-se tántrika e se refere a um
agrupamento de tradições, cujos ensinamentos originais não estão
compilados em livros. Quase todos os hindus seguem a tradição váidika, enquanto uma ínfima minoria segue a tradição tántrika. Para o hinduísmo, “os Tantras estão para os Vêdas assim como o perfume está para as flores”.
Uma máxima tântrica diz: “quando caímos ao chão, levantamo-nos com o auxílio do chão”. Tal afirmação é dirigida especialmente aos
opositores do Tantra, os quais dizem que para atingir a espiritualidade
deve-se negar o corpo. Para os tântricos, se a Natureza nos dotou de
instintos, emoções e sentidos, conseqüentemente, tudo o que tenha a ver
com isso deve ser plenamente vivenciado e valorizado, transformando-se
numa eficiente ferramenta de evolução.
Nascemos
com um corpo e com ele viajaremos em nosso breve espaço-tempo até que
se transforme em pó, na terra da qual surgiu. Haveremos de cuidar bem
dele e explorá-lo em seus recursos e potencialidades. E somente através
daquilo que nos é mais íntimo, nossa presente morada de carne e osso, é
que compreenderemos o Universo como nosso lar e conceberemos a Natureza como nossa mãe.
Outro importante provérbio tântrico está registrado no Vishwasara Tantra: “Tudo o que está aqui está em outro lugar, e o que não está aqui não está em lugar algum”
(leia mais sobre Física quântica e encontrará nessa ciência princípios
bem semelhantes). Compreendemos a Natureza como um organismo vivo, cuja
manifestação se divide, multiplica-se e eleva-se à infinita
complexidade.
O principal axioma do shaktismo, umas das linhas do tantrismo moderno, diz: Todos os deuses estão em nosso próprio corpo.
Isso significa que todos os processos químicos, biológicos e físicos da
Natureza são semelhantes, quer seja numa folha de grama em nosso
jardim, quer seja num coral fixado aos recifes de uma praia. Tudo o que
está do lado de fora está também do lado de dentro. Todos os tattwas da
Prakriti refletem o Púrusha como quem se olha diante do espelho.
Nas
palavras de Van Lysebeth, “cada estrela tem vida, no sentido literal do
termo, portanto está habitada por uma forma de consciência, a mesma que
existe em cada partícula infinitesimal nuclear. E esta vida universal,
única, se subdivide em inumeráveis planos de existência e consciência!
Para o Tantra, enche até a vida interestelar... impensável? Talvez...,
mas a imensidão do universo é impensável! Inclusive para o astrônomo que
faz malabarismos com as centenas de milhares de anos-luz. Essas
distâncias enormes são inimagináveis e entretanto são bem reais!” (Tantra, el Culto de lo Femenino, pág. 73.)
A
base filosófica das escolas tântricas é o conceito de Shaktí e Shiva.
Shaktí e Shiva representam os princípios feminino e masculino, energias
de polaridade negativa e positiva, respectivamente. Shaktí simboliza o
poder dinâmico e Shiva, o poder estático. São os dois pólos opostos que
mantêm acoesão universal, sem os quais não haveria harmonia no cosmos.
Uma outra afirmação tântrica diz: Shiva sem Shaktí é shava.
Sem Shaktí, Shiva não teria como agir, falar, pensar, ver ou sentir.
Sem Shaktí haveria apenas um cadáver (shava), algo sem vida. Sem ela, a
Natureza não teria forma; sem ele, a Natureza não teria como
manifestar-se. Até para acender uma lâmpada é preciso que haja duas
cargas de energia opostas que se atraem. O poder criador se manifesta
devido à presença da criação e vice-versa.
Com
tudo o que foi exposto, o Tantra possui características filosóficas
bastante semelhantes à filosofia Sámkhya, sendo que muitos dos
princípios tântricos foram sendo estabelecidos no decorrer dos séculos
como uma extensão dos tattwas do Sámkhya.
Os Tattwas do Tantrismo
Existem
vários ramos de tantrismo, alguns mais importantes, outros mais
conhecidos, tais como o shivaísmo, o vishnuísmo, ou o shaktismo. Esse
último, também chamado de tantrismo shakta, ficou bem conhecido através
das obras de Sir John Woodroffe.
Todas
as formas do tantrismo possuem princípios comuns, que se demonstram
através dos tattwas. É útil mencionar que podem haver variações quanto à
interpretação de cada princípio em si, mas que não modificam a visão de
conjunto.
O
tantrismo possui trinta e seis princípios, dos quais, os últimos vinte e
cinco, são os mesmos do Sámkhya, nos demonstrando a relação inseparável
do Tantra com o Sámkhya.
Conclui-se,
então, que o Sámkhya é parte do Tantra, sua fração inicial (numa
perspectiva de baixo para cima, dentro do quadro sinótico, à frente).
Isso nos demonstra que a afinidade do Sámkhya é com o Tantra, como
ocorre no Yôga Pré-clássico, e não com o brahmáchárya, como ocorre no
Yôga Clássico.
Os tattwas do tantrismo
1 - Shaktí 2 - Shiva
Energia dinâmica Energia estática
3 - Sadashiva
Energia da vontade (icchá)
4 - Íshwara
Energia do conhecimento (jñána)
5 - Suddhavidyá
Energia da ação (kriyá)
6 - Máyáshaktí
Energia da dualidade
Kañchuka (envoltórios)
7 - Kalá - limites da infinita força de Shiva
8 - Vidyá - limites da força do conhecimento
9 - Rága - limites da força do desejo
10- Kála - limites da força do tempo
11 - Niyati - limites da força de causa-e-efeito
Púrusha Prakrití
Bhuddhi
Ahamkára
Manas
Jñánêndriya Karmêndriya Tanmátra
Mahabhúta
As Três Linhas
e as Sete Escolas do Tantra
O
comportamento tântrico divide-se basicamente em três linhas: tantrismo
branco ou linha branca (dakshinachara); tantrismo negro ou linha negra
(vámachara); e tantrismo cinzento ou linha cinza.
A
divisão em linha branca e linha negra é apenas uma maneira didática de
nos referirmos a comportamentos tântricos diametralmente opostos. Tal
distinção não se refere, evidentemente, à cor da pele. A linha branca
foi desenvolvida pelos drávidas, que tinham pele bem escura; e a linha
negra pelos arianos, que originalmente possuiam pele clara! A linha negra é a mais moderna e foi desenvolvida com maior intensidade no século VIII da era cristã; portanto, faz parte do Tantra Moderno. E como ele sofre muita interferência da filosofia Vêdánta é a corrente mais ritualística, ao contrário da linha branca, mais antiga.
Há
também uma terceira linha intermediária, chamada cinza, que mescla
elementos daqueles outros dois segmentos. Assim, as três linhas do
Tantra se caracterizam pela utilização ou não de: álcool, fumo, drogas,
alimentação com carnes e relação sexual com orgasmo.
O
Tantra possui sete escolas. São elas: Dakshinachara (a mais antiga,
adotada pelo SwáSthya Yôga), Vêdachara, Vaishnavachara, Shaivachara,
Siddhantachara, Kaulachara e Vamachara. Achara significa via, caminho ou
linha.
A relação sexual
No Tantra, a relação sexual é denominada maithuna. O maithuna compreende, desde que haja intenção, oito maneiras diferentes de se estabelecer um contato sexual. São elas: olhar para uma mulher, andar com ela, falar com ela, pensar em fazer sexo, desejar a união sexual, propor-lhe tal união,
ter a determinação de cumprir o ato e, por último, a efetivação carnal.
Tudo isso faz parte do conjunto chamado maithuna. E conforme foi
grifado acima, é interessante notarmos que, por ser a cultura hindu
essencialmente brahmáchárya, os textos traduzidos nos últimos séculos
estão sempre escritos sob uma ótica masculina!
Ao
contrário dos costumes arianos, o Tantra não lida com questões morais e
nem depende de modismos sociais, que se referem muito mais ao dharma do
que ao karma (reveja isso no capítulo iii).
Aqui não há dogmas nem muito menos culpa ou pecado, conceitos típicos
das tradições patriarcais, cujas idéias restritivas no decurso dos
séculos rebaixaram o status da mulher na sociedade.
Em
contrapartida, ela ocupa um papel preponderante no contexto tântrico,
principalmente na relação a dois. De um modo geral, é a mulher quem
tomará a iniciativa para o sexo, contrariando o que ocorre na tradição
brahmáchárya. Nesta, o homem comporta-se como caçador, enquanto a mulher
como caça. Uma das maneiras de
identificar a influência do Tantra numa escultura ou pintura hindu
retratando um homem junto a uma mulher, encontra-se no fato desta estar
por cima ou à frente do homem.
Para
essa filosofia matriarcal, existem três tipos de mulher: mudrá, que
simplesmente serve ao homem para efeito do exercício do maithuna; shaktí
(esposa ou companheira), em igualdade de condições com o parceiro,
circunstância na qual há uma troca de energias e ambos evoluem na senda
tântrica; e o terceiro tipo, a dêví (literalmente, deusa), no qual a
mulher domina as relações afetivas, profissionais, etc. Ela tem o poder
de despertar no homem potencialidades até então desconhecidas, e até
muitas vezes torná-lo totalmente submisso.
A relação sexual pode ser praticada no intuito de reverter os processos da
natureza. Pode-se praticar sexo meramente como uma descarga fisiológica
e um meio de preservação da espécie; ou ainda como uma alavanca de
aprimoramento, evolução pessoal, e conseqüente benefício da Humanidade.
Todas as linhas do Tantra ensinam técnicas e cultivam intensamente o
maithuna, ampliando a duração do ato para o prolongamento do prazer.
Porém, apenas a linha branca utiliza a relação sexual sem orgasmo.
O Contato Sexual sem Orgasmo
No Dakshinacharatantra, o contato sexual sem orgasmo é uma opção recomendada.
Em
primeiro lugar, devemos esclarecer a diferença entre orgasmo e
ejaculação, já que para a maioria das pessoas os dois significam a mesma
coisa. Ainda mais que quase todos os autores de livros “tântricos”,
influenciados por um sistema patriarcal, mencionam apenas a ejaculação.
Essa, na verdade, nada mais é do que a emissão do sêmen, característica
masculina. Ora, o orgasmo é a energia que se descarrega no final da
relação e ejaculação é a matéria orgânica, o sêmen, que se elimina junto
(ou não) com o orgasmo. O que se pretende no Dakshinacharatantra é
aproveitar essa energia chamada orgasmo, em vez de sempre desperdiçá-la
no término do ato, o que ocorre tanto na mulher quanto no homem.
Com
sua postura desrepressora, o Tantra enfatiza e tira proveito da prática
do maithuna, permitindo o desenvolvimento das potencialidades humanas. O
que se ensina aqui há milênios, somente agora vem sendo confirmado
através de pesquisas científicas feitas sobre a energia orgástica.
No
período em que os animais estão no cio há um aumento da carga hormonal.
Eles tornam-se então reprodutores em potencial, e tendem a não ficar
doentes nem morrer prematuramente.
Algumas
décadas atrás, foi feita uma experiência em laboratório com trutas. Num
aquário circular e com um bombeamento de água para simular umacorredeira
foram colocadas algumas fêmeas prontas para a desova. Nadando contra a
correnteza, elas não paravam, não desovavam e nem se cansavam. Mais
tarde, uma delas foi retirada e colocada num outro recipiente com água
parada. E, tão logo desovou, morreu. Enquanto isso, as outras que
continuaram nadando no aquário de água corrente permaneceram vivas por
um tempo muito maior. Com esse ensaio, deduzimos o quanto a procriação
pode pesar na balança entre a vida e a morte.
Sob outro prisma, verificamos também o
que ocorre com algumas espécies de animais, cujos machos são mortos
pela fêmea mesmo no ato da fecundação como por exemplo, o zangão, o
louva-a-deus, alguns tipos de aranha, etc. Já que cumpriram o papel da
fecundação, esses machos não têm mais utilidade para a sua espécie.
A
natureza faz sempre o que for mais vantajoso para garantir a
perpetuação das espécies. O que representa a vida de um indivíduo senão
um piscar de olhos em relação à continuidade de sua espécie? Qual
a importância de uma formiga, um lagarto, ou uma vaca, isoladamente?
Todos podem ser facilmente sacrificados aos milhões, se o objetivo for a
continuidade da espécie.
O
que diferencia o ser humano do animal “irracional” é que o primeiro
usufrui da liberdade para interferir nos processos naturais. Já o outro é
levado pelas forças do instinto e quando sente o impulso fisiológico se
acasala por meio de uma relação sexual trivial.
Na página seguinte, veja como o Dr. Fritz Khan, em seu livro A Nossa Vida Sexual (pág.
210), representa a excitação e o prazer do homem durante a relação
sexual comum. Compare-o, projetado no gráfico maior, com a relação
sexual desenvolvida no Tantra.
Analisando
estes dois gráficos podemos ver que no primeiro há uma subida de
excitação, uma brusca elevação que é o orgasmo e, em seguida, a
depressão rápida até o nível zero. Já o segundo gráfico nos mostra que,
antes da energia sexual chegar ao clímax e explodir em orgasmo, o
praticante diminui a intensidade do contato, deixa que o corpo se
restabeleça para, em seguida, dar continuidade ao exercício. Isso pode
durar alguns minutos e se prolongar por várias horas.
Na
relação sexual do Tantra, o que ocorre na esfera genital com a
ampliação energética é um grande prazer que vai se espalhando e tomando
conta de todo o corpo e o psiquismo do praticante.
Com o desenvolvimento da potência sexual e da contenção do orgasmo, pode-se entrar em níveis de consciência supra-humanos. Por isso é que o Tantra considera o parceiro sexual como
uma divindade em carne e osso. Sem desperdiçar a força orgástica, de
uma certa forma podemos dizer que, ao invés de se gerar um filho para o
lado de fora, estivesse gerando uma nova pessoa do lado de dentro.
Tanto
a linha negra quanto a linha branca do Tantra buscam a ampliação da
energia sexual. Entretanto, há diferença de opiniões entre as duas:
depois de um longo contato e de uma intensa satisfação, enquanto que, na
linha negra tem-se o orgasmo no final da relação, na linha branca
sugere-se a contenção do orgasmo. Segundo esse ponto-de-vista, o orgasmo
nada mais é do que o fim do prazer: Omni animale post coitum triste est.
Na retenção orgástica aumenta-se tanto a força genésica que, simplesmente, a natureza preserva o indivíduo. Com isso, atenua-se tanatos, o impulso da morte e destruição; e intensifica-se eros,
o impulso de vida. Tornando-se um reprodutor em potencial,
possivelmente útil à espécie, é-lhe garantida uma vida mais longa e
plena.
Dentre
as conseqüências da exacerbação do prazer e do refreamento do orgasmo
estão: o aumento do próprio desempenho sexual, a melhoria da saúde, o
aumento da capacidade imunológica, ampliação dos sentidos, das
percepções sensoriais e extra-sensoriais, dos reflexos, bem como, mais alegria e menos depressões, melhor produtividade no trabalho, nos estudos, nos esportes, etc.
Para
usufruir da energia gerada pelo maithuna saudavelmente é preciso que se
tenha toda uma infra-estrutura física e psíquica. Tal elaboração é
obtida pelas técnicas do Yôga. E
mais, o praticante de Yôga poderá exercer o sexo tântrico tendo uma
outra motivação, além das conseqüências citadas. Nesse caso, a sua força
sexual o auxiliará no despertamento da kundaliní e, conseqüentemente, o
conduzirá ao samádhi, meta do Yôga.
A
linha branca, ainda, possui uma variante de Tantra sem contato sexual.
Aqui, existem duas opções para se trabalhar a energia sexual. São elas: a
via seca e a via úmida. A via úmida pode ser adotada pelas três linhas
do Tantra (negro, cinza ou branco), enquanto que a via seca constitui
mais uma opção da linha branca. Nela, cada pessoa tem a liberdade de
fazer o que quiser com o seu sexo, inclusive a de não usá-lo, por
quaisquer motivos.
Conquanto
a via seca do Tantra se assemelhe à linha brahmáchárya, que não utiliza
o sexo, existem diferenças marcantes que separam esses dois caminhos.
Enquanto o seguidor da corrente brahmáchárya reprime sua sexualidade, o
seguidor da linha tântrica a cultiva. Por princípio, o tântrico, via
seca, opta por não ter contato sexual, enquanto que o brahmáchárya não o
tem por achá-lo proibido. Um exemplo típico da corrente do Tantra
branco, via seca, foi o Mestre Ramakrishna, que viveu no final do
século xix d.C.
T A N T R A
LINHA LINHA LINHA
NEGRA CINZA BRANCA
VIA ÚMIDA VIA SECA
Outras Práticas Tântricas
Como
método de evolução do ser humano, o tantrismo recorre às práticas do
Yôga. Vejamos, então, algumas dessas práticas utilizadas conforme a
interpretação do tantrismo.
Pújá
No
tantrismo, pújá significa adorar, venerar, honrar ou reverenciar. Esse
termos pode também ter outros significados, tais como, oferenda, honra
ou retribuição de energia ou de força interior (formas pelas quais nos
referimos ao pújá no SwáSthya Yôga).
O
pújá é uma maneira natural e instintiva de retribuição. Num exemplo
singelo, podemos relacioná-lo ao fato de uma criança que, ao chegar na
escola, espontaneamente, dá uma flor à sua professora.
A
prática do pújá faz parte de todas as tradições orientais. Na Índia,
temos o pañchapújá, as cinco formas de pújá externo, através do qual o
devoto faz uma oferenda ao templo ou a seu ishtadêvatta (divindade
particular). O pañchapújá consta de flores, frutos, incenso, tecidos e
dinheiro. O Yôga também se utiliza do pújá mas, geralmente, feito sem
objetos materiais. É o caso do manasika pújá (pújá mental). Ele se
caracteriza por uma oferenda, de energia, amor, carinho, lealdade, e
votos de saúde, prosperidade e felicidade, feita pelo discípulo ao seu
Mestre.
Juntamente
com aquilo que se oferece, é preciso que haja bháva. Bháva significa
sentimento, devoção, atitude interior ou disposição. Segundo oKúlavali Tantra,
“as palavras não podem expressar o que seja bháva, assim como o melado
somente pode ser compreendido pelo paladar daquele que o saboreia e
nunca através de explicações”.
Existem
quatro níveis de bháva no tantrismo. O primeiro nível, que é o tipo
mencionado acima, chama-se pújábháva e que, como já vimos, se subdivide
em externo (bahya), e interno (manásika). No segundo nível está o
japabháva, feito a partir da repetição de mantras, que podem ser
vocalizados verbalmente ou mentalmente. A seguir vem o dhyánabháva, que
consiste em ampliar a concentração no objeto da devoção. E, finalmente, o último grau, que é o coroamento de todos os tipos de bháva, o swabháva.
Na
linguagem shakta, swabháva é a compreensão da Shaktí em sua própria
essência, contida em todas as manifestações do Universo. Conforme diz oGandharva Tantra,
“aquele que está sempre unido ao seu adorado perceberá, certamente, sua
presença em tudo o que vê, ouve, sente, cheira; em qualquer ser da
natureza, mineral, vegetal ou animal; em todo objeto e pessoa, em toda
comida e bebida, na música, nas roupas, nas festas, desde o estado de
vigília até o de sono profundo. Quando, enfim, a presença do outro é uma
constante em seu coração, tal praticante estará em swabháva...”
O
pújá, como um processo de empatia entre aquele que faz e aquele que
recebe, é diretamente ligado ao nyása. Nyása traduz-se como
identificação. É um tipo peculiar de concentração que atua no psiquismo,
principalmente. Consiste na capacidade de se estabelecer uma sintonia
profunda com pessoas vivas ou não; com personagens que existiram
realmente ou com formas mitológicas; ou ainda, com um animal, com uma
árvore, com uma flor, com uma pedra, etc. O nyása é como um cristal transparente, que absorve em si a forma e a cor do objeto que lhe é próximo.
Mudrá
Mudrá
significa gesto, selo ou senha. No Yôga, mudrá designa os gestos
reflexológicos, simbólicos ou magnéticos feitos com as mãos.
Shivánanda
diz em seus livros que a presença de mudrá, pújá e mantra, caracteriza a
herança dos Tantras. Devemos recordar que o SwáSthya Yôga, de raízes
tântricas, tem sua prática básica iniciando-se exatamente com essas três
partes.
No livro Faça Yôga Antes Que Você Precise, o Mestre DeRose esclarece que “Os
mudrás atuam por associação neurológica e por condicionamento
reflexológico. Não podemos negar um componente cultural, que reforça ou
atenua o efeito dos mudrás. Sua influência na esfera hormonal é
inegável... Um fato curioso e que só pode ser atribuído ao inconsciente
coletivo é a ‘coincidência’ de que, em épocas diferentes, hemisférios
diferentes, etnias e culturas diferentes, os mesmos gestos são
observados com o mesmo significado... Os mudrás do hinduísmo são
originários da antiga tradição tântrica e tanto o Yôga quanto a dança
clássica hindu - o Bhárata Natya - utilizam-se deles. Nos Yôgas mais
tardios essa arte ficou praticamente extinta, limitando-se a uns poucos
mudrás.”
O
mudrá está intimamente ligado ao nyása. Cada gesto conduz o praticante a
específicos estados de consciência, permitindo-lhe entrar em contato e a
se identificar com todos os Mestres e demais discípulos que pertencem a
uma mesma linhagem. (Dessa forma, ao executarmos o pránáyáma alternado,
por exemplo - um tipo de respiratório no Yôga - não devemos utilizar,
aleatoriamente, mudrás de outras escolas.)
Podemos
compilar mais de 100 mudrás de tradição tântrica. Aqui, citamos os
cinco mais conhecidos, e que são bastante utilizados nas práticas do
nosso método: o Shiva mudrá, o jñána mudrá, o átmam mudrá, o pronam
mudrá e o trimurti mudrá.
Mantra
Mantra pode ser traduzido como vocalização. Compõe-se do radical man (pensar) + a partícula tra (instrumento). Conforme escreve o Mestre DeRose, no livro Faça Yôga Antes Que Você Precise,
“é significativa tal construção semântica, já que o mantra é muito
utilizado para se alcançar a ‘supressão da instabilidade da
consciência’, denominada intuição linear ou... meditação!”
Alguns
mantras constituem-se de várias sílabas, palavras e notas musicais,
sendo denominados kirtans. Temos nessa categoria, por exemplo, o Shiva
Mantra, o Gáyatrí Mantra, o Maha Mantra, etc. Outros tipos podem ter uma
só palavra, uma só sílaba e uma só nota musical. Os mantras, em geral
dessa última categoria, quando são vocalizados repetidamente
denominam-se japa (repetição). De qualquer maneira é fundamental que
pertençam a uma língua morta. Em se tratando de Yôga, somente tem
validade se for utilizado o idioma sânscrito.
As
fórmulas mântricas mais potentes são aquelas que não possuem sentido
literal, nem tradução, nem significado e carregam uma força ancestral
capaz de interferir no psiquismo humano; e ainda, muito além disso,
transformam a matéria, em geral. A combinação
dos sons é uma arte que foi desenvolvida, empiricamente, pelos Mestres
de Yôga da antiguidade, que viviam em contato mais efetivo com a
Natureza.
Shuddhi
Shuddhi traduz-se como purificação. Como tal, pode ser externa e interna, segundo o tipo de escola que a adote.
Para citar um exemplo no tantrismo, temos o chamado bhúta shuddhi. Significa purificação dos elementos.
Consiste em imaginar que, a partir dos tattwas mais densos, os
mahabhútas, o elemento prithiví (terra) é absorvido por apas (água),
depois em agni (fogo) que por sua vez é dissolvido em váyu (ar) e, a
seguir, no elemento menos denso, ákásha (éter). Depois dessas dissoluções, o praticante deverá intentar, num processo mental, a transcendência ao ahamkára (ego) até que, ultrapassando todos os tattwas da Prakriti, chegue à Shaktí.
Uma
variação de bhúta shuddhi utilizado e desenvolvido pelo Yôga tântrico,
consiste na purificação das nadís (meridianos ou correntes por onde
circula a bioenergia ou prána), seja através de técnicas tais como
mantras, pránáyámas, kriyás, ásanas; seja através de uma seleção
alimentar e de uma reeducação das emoções, para que o praticante não
suje seu corpo com detritos tóxicos de sentimentos como o ódio, a
inveja, o ciúme, o medo, etc.
Dháraná e Dhyána
Dháraná traduz-se como concentração; e dhyána, como intuição linear (ainda, contemplação ou meditação).
A meditação é o estágio mais avançado da concentração. São técnicas
puramente yôgis e, em determinadas circunstâncias, utilizadas no Tantra.
Um exemplo típico de dháraná e dhyána realizados no tantrismo é o manidwípa, a meditação na ilha de pedras preciosas. O Ghêranda Samhitá (Cap.
VII, 2-8), escritura tântrica da Idade Média, orienta essa prática da
seguinte maneira: “Imagine o praticante que há um grande oceano de
néctar em seu próprio coração. E no centro dele há uma ilha de pedras
preciosas, cuja areia está salpicada de brilhantes. Por todos os lados
encontram-se árvores frondosas, carregadas de flores e frutos tenros. No
meio do arvoredo deve ser imaginada uma enorme e antiga árvore com
quatro ramos (representando os quatro Vêdas),
também repleta de flores e frutos. As abelhas zumbem e os pássaros
cantam... Sob essa árvore deve ser visualizada uma pequena plataforma
com um belo trono confeccionado de pedras preciosas. Sobre esse trono,
deve estar sentado o Ishtadêvatta, cujas formas, vestimentas, cores e
adornos já haviam sido previamente descritos e ensinados pelo Mestre do
praticante”.
O
tantrismo é caracterizado também por um elemento chamado bhakti, que
significa devoção. Bhakti está implícito na Mãe-natureza, na medida em
que alguém se sinta como seu filho; está inserido no infinito
macrocosmos, conquanto se habite no finito microcosmos; ou pode ser
representado como divindade pessoal (Íshwara), diante da impotência
humana frente ao ciclo existencial.
A filosofia tântrica se utiliza de
imagens e formas mitológicas da tradição hindu, possibilitando ao
praticante concentrar-se e meditar no seu respectivo objeto de
reverência ou devoção. Por outro lado, independentemente daquilo em que
se foca a atenção, importa muito mais a concentração em si. É a partir
dela que o praticante se predispõe à meditação, uma das técnicas do
Yôga, com a qual poderá galgar um estado de consciência denominado
samádhi. Nesse ponto, ele se torna um yôgi.
Yôga Tântrico, Yôga Brahmáchárya,
e a Kundaliní
Associados
ao Yôga, existem dois grupos comportamentais opostos entre si: o de
linha tântrica e o de linha brahmáchárya. Ambos afirmam que despertar a
kundaliní é fundamental. Porém, apenas a linha tântrica se utiliza do
maithuna como uma alavanca de evolução, explorando a sensorialidade. A
outra classe, praticada pela grande maioria dos yôgis na Índia,
restringe o contato sexual. Conseqüentemente, é anti-sensorial. Na
primeira categoria se encontra o Yôga de tendência tântrica, e, na segunda, o Yôga de tendência brahmáchárya.
O voto brahmáchárya ou celibato, geralmente é feito por
monges que ostentam o título de swámis, aos quais estão proibidas as
relações sexuais. A grande maioria dos estabelecimentos de Yôga da Índia
segue essa corrente. Nessas escolas, por exemplo, uma pessoa que não
fez o voto brahmáchárya, poderá até praticar algumas técnicas do Yôga,
mas se quiser, de fato, tornar-se um yôgi dessa linha, não poderá
casar-se e se já tiver família terá de abandoná-la para morar no áshram
(mosteiro).
Nos
áshrams que possuem um padrão de vida brahmáchárya não se utilizam de
alimentos que possam excitar o paladar e, conseqüentemente, o sexo. Não é
para menos. Nos livros de Shivánanda temos: “afaste-se das mulheres” (...) e “o alho
e a cebola são piores que a carne”. Como são alimentos energizantes,
estimulam o instinto sexual, que deve ser aniquilado, segundo o sistema
brahmáchárya.
Por tudo isso, o comportamento e a prática de
um Yôga de linha brahmáchárya não pode ser confundido com o
comportamento do Yôga de linha tântrica. O processo e os resultados são
completamente diferentes. Enquanto o Yôga brahmáchárya prega a evolução
através do sofrimento e da repressão sensorial, o Yôga tântrico conduz à
evolução através do prazer e da liberdade.
Citando
alguns Mestres de Yôga hindus contemporâneos que tenham de fato se
iluminado, podemos ter Ramakrishna e Aurobindo, que eram de linha
tântrica. Por outro lado, poderíamos citar, aproximadamente, uns
quarenta Mestres de linha brahmáchárya. Levando-se em consideração que
quase um bilhão de pessoas na Índia segue a tradição brahmáchárya e que
alguns poucos milhares seguem o Tantra, essa desproporção demonstra que
um percentual extremamente elevado têm sucesso e atingem a meta. Segundo
Yôgánanda, de cada mil pessoas que seguem o sistema brahmáchárya, só
uma consegue permanecer, e de cada mil que permanecem, apenas uma atinge
a meta.
Apesar
de serem sistemas opostos, esses dois grupos de Yôga têm em comum a
valorização da sexualidade, conquanto divirjam na metodologia. Do ponto
de vista brahmáchárya, se essa energia
é assim tão sagrada, não se pode desperdiçá-la e sim, economizá-la. Por
outro lado, temos a opinião da linha tântrica: sendo tão importante,
essa força deverá ser aprimorada e desenvolvida com mais intensidade.
A sexualidade é condição sine qua non no
processo evolutivo do Yôga. Kundaliní traduz-se por serpentina ou
enroscada. Ela é conhecida no tantrismo sob as mais diversas
denominações: bhujangí, íshwarí, kundalí, kúlakundaliní, mahakundaliní,
arundhatí, shaktí, etc. Segundo o SwáSthya Yôga, kundaliní é uma energia
física, de natureza nervosa e manifestação sexual.
Dentro
da psicologia ocidental, os termos libido ou orgônio podem designar
diferentes aspectos dessa energia. Ocorre que, como ela está associada
ao sexo, aqueles que trazem uma herança cultural judaico-cristã,
impregnada de culpa e pecado, têm medo de trabalhar essa força.
Entretanto, a kundaliní é imprescindível na tradição hindu, tanto na
corrente tântrica, que se utiliza do sexo, quanto na corrente
brahmáchárya, celibatária.
Usando
a terminologia do shaktismo, kundaliní é a Shaktí individual que, como
uma serpente de fogo, está enroscada três vezes e meia em torno do
lingam (falo), na base da sushumná. E, estando em sono profundo, essa
serpente poderá ser despertada através das técnicas yôgis, tais como
pránáyáma, bandha, ásana, dhyána e outras técnicas ensinadas por um
Instrutor formado e competente.
O
que conduz o praticante à evolução é a Shaktí kundaliní. O Mestre dá o
impulso inicial para que o discípulo se exercite e, finalmente, possa
realizar a união tântrica Shaktí-Shiva no sahásrara chakra. Portanto,
somente através das práticas é que o discípulo poderá ativar sua energia
latente, a kundaliní, que o conduzirá ao estado de samádhi.
Existem
inúmeras maneiras para despertar e dinamizar essa força. Sir John
Woodroffe faz a seguinte descrição: “Através das nádís idá e pingalá, a
energia sai e entra pelas fossas nasais. Mediante kúmbhaka, o prána
deixa de atuar sobre o ar atmosférico e retorna à envoltura vital, o
múládhára chakra, produzindo aí uma ação fora do normal. Quando tal
energia se potencializa, a consciência torna-se familiar com a Mãe-real,
a kúlakundaliní. Despertada, ela ascende pela sushumná, podendo ir até o
sahásrara chakra. Nesse local se produz o néctar que
o sádhaka absorve com prazer. Aumentando o tempo de kúmbhaka,
aumenta-se a retenção da kundaliní na sushumná e, então, ela deve ser dirigida
a cada chakra, unida ao Ishtadêváta correspondente, e na meditação dos
Dêvatás, masculinos e femininos. Eis que o praticante se converte em amo
do dêváta de cada chakra e deixa de ser escravo para ser o senhor... Princípios del Tantra, págs. 502, 503.
Como
pudemos constatar em sua parte prática, o tantrismo utiliza muitas
técnicas do Yôga. O mantra, por exemplo, é enfatizado da seguinte forma
noKularnava Tantra: “Alcançar o
siddhi (poder) do mantra é impossível sem a prática do Yôga”. Assim,
podemos dizer que o mantra é uma das técnicas que ajudam o despertamento
da Shaktí kundaliní. E, como vimos, o trabalho com a kundaliní só é possível mediante as técnicas yôgis.
Shivánanda, médico hindu, Mestre yôgi (leia-se yôgui), em vários de seus livros, diz que nenhum samádhi é possível sem o despertar da kundaliní (por exemplo, em seu livro Kundaliní Yôga, págs. 35, 81 e outras). E se, segundo Pátañjali, codificador do Yôga Clássico, a meta do Yôga é o samádhi, logo, sem kundaliní não há Yôga.
[1] As escrituras incorporadas ao patrimônio do hinduísmo são denominadas shástras. Como shastras, além dos Tantras, temos os Vêdas, as Gítás, osSútras, as Upanishads, os Puránas, e outros.
[2] Para saber mais sobre pújá, consulte o livro A Força da Gratidão (Pújá), deste autor.
[3] Para saber mais sobre mudrá, consulte o livro Mudrá. De mãos dadas com o Yôga Antigo, da Profa. Renata Sena.
[4] Para saber mais sobre mantra, consulte os CDs de Mantra dos Mestres DeRose, Carlos Cardoso e Edgardo Caramella.
[5] Para saber mais sobre essas e as demais técnicas citadas neste capítulo, consulte o livro Tratado de Yôga, do Mestre DeRose.
[6] Achárya significa servidor. Brahmáchárya quer dizer servidor de Brahma. Através dos milênios, o termo brahmáchárya passou a significar, também, celibato.