segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Tantra: Mão Esquerda & Mão Direita





Tantra é uma cultura e suas diversas práticas estão divididas genericamente sobre duas categorias: «mão esquerda» e «mão direita», respectivamente vāmācāra e kaulācāra. O pensamento tântrico aceita a vida como ela é, como ela evolui naturalmente e procura proporcionar o desenvolvimento dos diferentes aspectos da personalidade sem impor disciplinas idealistas. A tradição busca apenas transformar a atitude humana, seu comportamento, natureza e expressão.

Nós temos certos desejos de acordo com nossos gostos e escolhas. Agora, esses desejos, ambições ou objetivos que estabelecemos na vida, representam nossa auto-satisfação: «eu quero me satisfazer», «eu tenho de alcançar algo na vida», «eu tenho de ser alguém». Este desejo de auto-satisfação pode ser uma grande força motivadora se for canalizado em uma direção positiva. Ele também pode ser uma força deveras limitativa e egoísta se for canalizado em uma direção negativa. Assim, a principal ênfase do Tantra está em canalizar todo o tipo de desejo, sentimento e instinto, dotando-lhe com características espirituais. Isso é necessário porque os instintos de fome, prazer sensorial e sensual, medo, etc. são considerados instintos ligados à vida «mundana». É necessário mudar o foco, a perspectiva.

No Tantra, o confronto direto com os instintos que inibem o crescimento de nossa personalidade ou que restringem nossas expressões é necessário. O desejo seja na forma de prazer sensual, sexual, sensorial etc. é uma força muito poderosa que pode expandir a nossa percepção ou limitá-la. O objetivo é atingir a realização final do que está por trás dessas forças, instintos e impulsos. O que eles são? De onde eles estão vindo? Em que direção eles estão indo? Como podemos sublimar a energia que está contida em um instinto, no desejo ou na ambição?

O Tantra prescreve certas práticas espirituais para isso. Uma deles, por exemplo, exige que o sādhaka vá ao cemitério meditar. Agora, quem vai para o cemitério e tenta meditar certamente irá ter insuficiência cardíaca se sua psique começar a se manifestar. Por manifestação psíquica quero dizer as experiências internas na forma de instintos e impulsos que começam vir à tona e geralmente a experiência é visual. A pessoa pode ver algo que não está lá, que não existe. Ela pode ver um fantasma, um espírito, uma divindade, um demônio etc., qualquer coisa. É uma projeção de sua própria consciência e o sādhanā tântrico atua como um catalisador para projetar a consciência e experimentá-la em toda a sua variedade.

Se somos capazes de mudar nossas atitudes, nossas percepções cotidianas e nossa ideia acerca de nós mesmos, então certo tipo de purificação ou transformação ocorrerá em nosso interior. Vamos além da experiência do instinto, impulsos, saṃskāras e karmas da vida. Diferentes tipos de personalidade foram definidas no yoga, na psicologia moderna e no Tantra. O yoga definiu a personalidade de acordo com os três guṇas: sattva, rajas e tamas, enquanto que a psicologia moderna tem classificado em termos de dinâmica, emocional, intelectual e psíquica.

O Tantra classifica personalidade como paśu, vīra e divya. Paśu significa «boi» e representa a personalidade animalesca. Vīra significa «herói» e representa a personalidade guerreira que superou seu aspecto animalesco. Divya significa «divino» e refere-se à personalidade sutilizada, espiritualizada, além das necessidades mundanas. De acordo com o sistema tântrico estas três personalidades contêm os aspectos de sattva, rajas e tamas. Mesmo uma pessoa de personalidade animalesca possui características sattva, rajas e tamas. As pessoas de personalidade mais refinada terão características de rajas e tamas em intensidade distinta. Esta é uma classificação ampla que representa a estrutura básica de nossa personalidade. Nesse caminho, a transmutação da personalidade animalesca para a personalidade heróica e posteriormente a personalidade mais refinada ocorre através do sādhanā tântrico.

O sādhanā tântrico é muito difícil de ser compreendido, principalmente pelo ocidental, pois sua execução tornou-se associada a práticas que envolvem certo tipo de satisfação sensual. No entanto, se estudarmos as diferentes tradições do Tantra descobrimos que seus princípios são baseados no Sāṃkhya: o despertar dos cakras e da kuṇḍalinī através da prática de prāṇāyāma e mantras, a concentração em yantras, maṇḍalas e outros tipos de meditação.

O Tantra considera que o feminino seja um aspecto superior na criação. Nesse caminho, quem promove a iniciação é a mulher: a esposa pode iniciar o marido, a mãe pode iniciar o filho ou a filha pode iniciar o pai.

O Tantra tem sido associado a outras filosofias como o Budismo: vajrayāna, mahayāna, tantrayāna e mantrayāna. Escolas cujas práticas são essencialmente meditativas e analíticas, portanto, apresentam as principais características do jñāna-yoga, a auto-análise e o auto-conhecimento: «quem sou eu?», «onde estou?», «eu sou o que percebo ser ou sou algo a mais?» Essas escolas executam certas práticas como o vipassanā. Vipassanā é apenas uma técnica, existem outras que não são conhecidas pelo público em geral e que só são ensinadas no momento da iniciação. O propósito dessas práticas é diminuir as atividades da mente.

O Tantra de «direita» emprega técnicas do yoga: yama, niyama, āsana, prāṇāyāma, pratyāhāra, dhāraṇā e dhyāna. O yoga é uma compilação de técnicas do Tantra e do Sāṃkhya. A ênfase está no trabalho do corpo sutil, os cakras e a kuṇḍalinī. O que hoje entendemos por kuṇḍalinī e kriyā-yoga é uma síntese do yoga conforme praticado no Tantra.

O Tantra de «esquerda» aceita os cinco princípios da vida: o pañca-makāra. Estes cinco princípios são: matsya «peixe», madya «vinho», maithuna «sexo orientado», māṃsa «carne» e mudrā «grão», mas eles têm de ser entendidos a partir do ponto de vista espiritual. Se por beber vinho alguém fosse capaz de alcançar a auto-realização, cada bêbado no mundo seria auto-realizado; se pela ingestão de carne alguém fosse capaz de alcançar a auto-realização, a maioria das pessoas no mundo seriam auto-realizadas; se o coito sexual fosse a única maneira de se auto-realizar, como dizem alguns, então todas as pessoas no mundo seriam auto-realizadas, incluindo o animais. No entanto, este não é o caso.

Portanto, esses princípios não devem ser tomados a partir de sua interpretação literal, mas a partir de seu aspecto simbólico. O corpo desenvolve seu próprio vinho. É o néctar secretado pelo bindu-cakra e através de práticas como a khecarī-mudrā, os bandhas e outras mudrās podemos aprender a transmutar esse néctar. Este é o conceito de vinho.

O conceito de peixe se relaciona ao conceito do prāṇāyāma. O Tantra diz que apenas dois peixes têm de ser domados. Quem são esses dois peixes? A respiração e o prāṇa nos canais iḍā e piṅgalā. O controle da respiração e do prāṇa é considerado uma refeição cujo prato principal é peixe.

Assim, coisas diferentes foram explicadas no Tantra. Os aspectos práticos reais, como a relação sexual, o consumo de vinho ou de carne na nossa ignorância, dizemos que fazem parte do Tantra, pois não somos capazes de compreender o significado exotérico. Se, no entanto, olhamos sobre o ponto de vista espiritual, concluímos que o processo vāmācāra é completamente meditativo.

Então, Tantra, no meu entender, não é senão uma experiência direta das realidades da vida. É preciso tentar, inicialmente, analisar e compreender a tradição de que estes sistemas de pensamento vieram e o que eles estão tentando nos dizer, depois comparar isso com as condições e situações modernas: «será que é realmente válido?» «meu entendimento está correto?» «o entendimento do autor está correto e é verdadeiro?» Por um lado nós estamos dizendo que a fim de evoluir espiritualmente precisamos ter controle da mente, o que levará a alguma transformação e transmutação das tendências básicas ou vṛttis. Por outro lado, estamos dizendo que consumir vinho é ótimo; sendo ele tamásico, tudo bem, o bom mesmo é nos tornarmos pessoas tamásicas etc.

O Tantra enfatiza a consciência experiencial e não uma disciplina imposta, rígida e idealista. Outros sistemas de pensamento enfatizam uma disciplina assim com a esperança de que, se as suas convicções são fortes, então no decorrer do tempo você será capaz de transcender os vṛttis da vida. Se o saṅkalpa-śakti «o poder da resolução», o iccha-śakti «a força de vontade» e o kriyā-śakti «o poder da ação» são fortes, então as coisas podem ser modificadas. O desejo pode estar lá, mas se essas forças não são fortes e poderosos, então essa necessidade torna-se simplesmente um desejo, como tudo na vida.