Tantra é uma cultura e suas
diversas práticas estão divididas genericamente sobre duas categorias: «mão
esquerda» e «mão direita», respectivamente vāmācāra e kaulācāra.
O pensamento tântrico aceita a vida como ela é, como ela evolui naturalmente e
procura proporcionar o desenvolvimento dos diferentes aspectos da personalidade
sem impor disciplinas idealistas. A tradição busca apenas transformar a atitude
humana, seu comportamento, natureza e expressão.
Nós temos certos desejos de
acordo com nossos gostos e escolhas. Agora, esses desejos, ambições ou
objetivos que estabelecemos na vida, representam nossa auto-satisfação: «eu
quero me satisfazer», «eu tenho de alcançar algo na vida», «eu tenho de ser
alguém». Este desejo de auto-satisfação pode ser uma grande força motivadora se
for canalizado em uma direção positiva. Ele também pode ser uma força deveras
limitativa e egoísta se for canalizado em uma direção negativa. Assim, a
principal ênfase do Tantra está em canalizar todo o tipo de desejo, sentimento
e instinto, dotando-lhe com características espirituais. Isso é necessário
porque os instintos de fome, prazer sensorial e sensual, medo, etc. são
considerados instintos ligados à vida «mundana». É necessário mudar o foco, a
perspectiva.
No Tantra, o confronto direto com
os instintos que inibem o crescimento de nossa personalidade ou que restringem
nossas expressões é necessário. O desejo seja na forma de prazer sensual,
sexual, sensorial etc. é uma força muito poderosa que pode expandir a nossa
percepção ou limitá-la. O objetivo é atingir a realização final do que está por
trás dessas forças, instintos e impulsos. O que eles são? De onde eles estão
vindo? Em que direção eles estão indo? Como podemos sublimar a energia que está
contida em um instinto, no desejo ou na ambição?
O Tantra prescreve certas
práticas espirituais para isso. Uma deles, por exemplo, exige que o sādhaka
vá ao cemitério meditar. Agora, quem vai para o cemitério e tenta meditar
certamente irá ter insuficiência cardíaca se sua psique começar a se
manifestar. Por manifestação psíquica quero dizer as experiências internas na
forma de instintos e impulsos que começam vir à tona e geralmente a experiência
é visual. A pessoa pode ver algo que não está lá, que não existe. Ela pode ver
um fantasma, um espírito, uma divindade, um demônio etc., qualquer coisa. É uma
projeção de sua própria consciência e o sādhanā tântrico atua como um
catalisador para projetar a consciência e experimentá-la em toda a sua
variedade.
Se somos capazes de mudar nossas
atitudes, nossas percepções cotidianas e nossa ideia acerca de nós mesmos,
então certo tipo de purificação ou transformação ocorrerá em nosso interior.
Vamos além da experiência do instinto, impulsos, saṃskāras e karmas
da vida. Diferentes tipos de personalidade foram definidas no yoga, na
psicologia moderna e no Tantra. O yoga definiu a personalidade de acordo
com os três guṇas: sattva, rajas e tamas, enquanto
que a psicologia moderna tem classificado em termos de dinâmica, emocional,
intelectual e psíquica.
O Tantra classifica personalidade
como paśu, vīra e divya. Paśu significa «boi» e
representa a personalidade animalesca. Vīra significa «herói» e
representa a personalidade guerreira que superou seu aspecto animalesco. Divya
significa «divino» e refere-se à personalidade sutilizada, espiritualizada,
além das necessidades mundanas. De acordo com o sistema tântrico estas três
personalidades contêm os aspectos de sattva, rajas e tamas.
Mesmo uma pessoa de personalidade animalesca possui características sattva,
rajas e tamas. As pessoas de personalidade mais refinada terão
características de rajas e tamas em intensidade distinta. Esta é
uma classificação ampla que representa a estrutura básica de nossa
personalidade. Nesse caminho, a transmutação da personalidade animalesca para a
personalidade heróica e posteriormente a personalidade mais refinada ocorre
através do sādhanā tântrico.
O sādhanā tântrico é muito
difícil de ser compreendido, principalmente pelo ocidental, pois sua execução
tornou-se associada a práticas que envolvem certo tipo de satisfação sensual.
No entanto, se estudarmos as diferentes tradições do Tantra descobrimos que
seus princípios são baseados no Sāṃkhya: o despertar dos cakras e da kuṇḍalinī
através da prática de prāṇāyāma e mantras, a concentração em yantras,
maṇḍalas e outros tipos de meditação.
O Tantra considera que o feminino
seja um aspecto superior na criação. Nesse caminho, quem promove a iniciação é
a mulher: a esposa pode iniciar o marido, a mãe pode iniciar o filho ou a filha
pode iniciar o pai.
O Tantra tem sido associado a
outras filosofias como o Budismo: vajrayāna, mahayāna, tantrayāna
e mantrayāna. Escolas cujas práticas são essencialmente meditativas e
analíticas, portanto, apresentam as principais características do jñāna-yoga,
a auto-análise e o auto-conhecimento: «quem sou eu?», «onde estou?», «eu sou o
que percebo ser ou sou algo a mais?» Essas escolas executam certas práticas
como o vipassanā. Vipassanā é apenas uma técnica, existem outras
que não são conhecidas pelo público em geral e que só são ensinadas no momento
da iniciação. O propósito dessas práticas é diminuir as atividades da mente.
O Tantra de «direita» emprega
técnicas do yoga: yama, niyama, āsana, prāṇāyāma,
pratyāhāra, dhāraṇā e dhyāna. O yoga é uma
compilação de técnicas do Tantra e do Sāṃkhya. A ênfase está no trabalho do
corpo sutil, os cakras e a kuṇḍalinī. O que hoje entendemos por kuṇḍalinī
e kriyā-yoga é uma síntese do yoga conforme praticado no Tantra.
O Tantra de «esquerda» aceita os
cinco princípios da vida: o pañca-makāra. Estes cinco princípios são: matsya
«peixe», madya «vinho», maithuna «sexo orientado», māṃsa
«carne» e mudrā «grão», mas eles têm de ser entendidos a partir do ponto
de vista espiritual. Se por beber vinho alguém fosse capaz de alcançar a
auto-realização, cada bêbado no mundo seria auto-realizado; se pela ingestão de
carne alguém fosse capaz de alcançar a auto-realização, a maioria das pessoas
no mundo seriam auto-realizadas; se o coito sexual fosse a única maneira de se
auto-realizar, como dizem alguns, então todas as pessoas no mundo seriam
auto-realizadas, incluindo o animais. No entanto, este não é o caso.
Portanto, esses princípios não
devem ser tomados a partir de sua interpretação literal, mas a partir de seu
aspecto simbólico. O corpo desenvolve seu próprio vinho. É o néctar secretado
pelo bindu-cakra e através de práticas como a khecarī-mudrā,
os bandhas e outras mudrās podemos aprender a transmutar esse
néctar. Este é o conceito de vinho.
O conceito de peixe se relaciona
ao conceito do prāṇāyāma. O Tantra diz que apenas dois peixes têm de ser
domados. Quem são esses dois peixes? A respiração e o prāṇa nos canais iḍā
e piṅgalā. O controle da respiração e do prāṇa é considerado uma
refeição cujo prato principal é peixe.
Assim, coisas diferentes foram
explicadas no Tantra. Os aspectos práticos reais, como a relação sexual, o
consumo de vinho ou de carne na nossa ignorância, dizemos que fazem parte do
Tantra, pois não somos capazes de compreender o significado exotérico. Se, no
entanto, olhamos sobre o ponto de vista espiritual, concluímos que o processo vāmācāra
é completamente meditativo.
Então, Tantra, no meu entender,
não é senão uma experiência direta das realidades da vida. É preciso tentar,
inicialmente, analisar e compreender a tradição de que estes sistemas de
pensamento vieram e o que eles estão tentando nos dizer, depois comparar isso
com as condições e situações modernas: «será que é realmente válido?» «meu
entendimento está correto?» «o entendimento do autor está correto e é
verdadeiro?» Por um lado nós estamos dizendo que a fim de evoluir
espiritualmente precisamos ter controle da mente, o que levará a alguma
transformação e transmutação das tendências básicas ou vṛttis. Por outro
lado, estamos dizendo que consumir vinho é ótimo; sendo ele tamásico, tudo bem,
o bom mesmo é nos tornarmos pessoas tamásicas etc.
O Tantra enfatiza a consciência
experiencial e não uma disciplina imposta, rígida e idealista. Outros sistemas
de pensamento enfatizam uma disciplina assim com a esperança de que, se as suas
convicções são fortes, então no decorrer do tempo você será capaz de
transcender os vṛttis da vida. Se o saṅkalpa-śakti «o poder da
resolução», o iccha-śakti «a força de vontade» e o kriyā-śakti «o
poder da ação» são fortes, então as coisas podem ser modificadas. O desejo pode
estar lá, mas se essas forças não são fortes e poderosos, então essa
necessidade torna-se simplesmente um desejo, como tudo na vida.
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