Sagrado Feminino, Uma Introdução às Deusas Védicas e Seus Segredos
Sri Nandanandana
Apresentação e análise de Durga, Lakshmi, Sarasvati e outras divindades femininas.
A adoração à Deusa existe há pelo menos 4000 anos na Índia, e se
estende até um passado ainda mais remoto, remontando aos tempos védicos.
Durga é a Deusa do universo, e Parvati, a esposa do Senhor Shiva, é uma
forma de Durga. Ela tem 64 formas diferentes, com diferentes nomes para
cada forma. Cada forma representa um passatempo, poder ou aspecto
diferente da Deusa. Alguns dos nomes dessas formas de Durga são Ambika,
Bhadra, Bhadrakali, Aryadurga, Vedagarbha, Kshemakshemakari, Naikabahu,
Bhagavatai, Katyayani e outros, como Sati, que significa “castidade”. Em
seus aspectos meigos, ela é adorada como Kanya, Kamakshi ou Mukamba.
Uma (Parvati) é o nome de solteira da consorte do Senhor Shiva. Ela
representa a matéria (
prakriti). Shiva é o deus da destruição, que não tem sentido sem o que ser destruído, daí ser casado com Uma.
Durga é frequentemente retratada como uma bela mulher em vestes
vermelhas. Ela pode ter quatro, oito, dez, dezoito ou vinte braços e
três olhos. Os artigos em suas mãos podem incluir búzio, disco,
tridente, arco, flecha, espada, adaga, escudo, rosário, cálice de vinho e
sino, todos os quais representam suas potências. Ela também pode estar
sobre um lótus ou montada em um leão. O leão representa o poder, mas
também a tendência animalesca da ganância por comida e outros objetos
sensuais. Ela estar sobre o leão representa que ela mantém todas essas
tendências sob completo controle.
Todos os detalhes sobre Durga podem ser encontrados no
Devi Bhagavata, ou em outra obra chamada
Durgasaptashati, que pode ser encontrada como parte do
Markandeya Purana.
O nome “Durga” significa “alguém que é difícil de ser conhecida”.
Contudo, sendo a mãe do universo, é possível nos aproximarmos dela
através do amor. Como mãe, também é natural para ela dar amor a seus filhos.
Deidade de Durga de um templo de Calcutá, Índia.
Durga é a personificação da energia material, na qual todos os seres
vivos materialmente condicionados estão abortos em pensamentos, ações e
identidade. Ela também é considerada o poder do sono, ou
yoga-nidra,
no qual o Senhor Vishnu descansa entre os ciclos de criação. Também é a
personificação da sabedoria e do conhecimento, bem como do sacrifício,
ou penitência, e do conhecimento mais elevado. Sua energia permeia o
universo. Embora seja a mais bela, é, ao mesmo tempo, furiosa e
terrível. Pode dispersar dificuldades e também matar os demônios.
Outra de suas formas populares é Mahishasuramardini. Nessa forma, é
frequentemente apresentada com oito braços, com cada um deles segurando
uma arma, e no processo de matar o demônio Mahishasura em sua forma como
um touro. Ela foi gerada pela ira e pelos poderes dos deuses, isto é,
Vishnu, Shiva, Brahma e outros. E as armas deles se tornaram as armas
dela. Assim, montada em seu feroz leão, confrontou e matou Mahishasura e
suas tropas. Esse demônio representa a propensão egoísta de que a força
bruta é tudo o que é necessário para a realização de desejos egoístas.
Enquanto lutava entre os deuses, ele estava se sobressaindo, até que
seus poderes combinados e o desejo de lutar se manifestaram na forma da
Devi como Mahishasuramardini, que, então, matou o demônio.
Durga enfrenta Mahishasura. Escultura parte do acervo da UNESCO “Monumentos de Mahabalipuram”.
Simbolicamente, Durga destrói o demônio búfalo, que representa
tamo-guna, a negra qualidade de preguiça, ignorância e inércia. Ela, assim, destrói o
tamo-guna
dentro de nós, o qual pode ser muito difícil de ser superado. Outra de
suas qualidades é sua ira, a qual algumas vezes se manifesta como a
guerra. Semelhante guerra limpa o mundo dos muitos elementos negativos
que se acumulam a partir de uma sociedade pecaminosa.
Posteriormente, quando os deuses foram desafiados pelos demônios
Shumbha e Nishumbha, solicitaram mais uma vez a ajuda da Deus. Dessa
vez, do lado de Parvati, manifestou-se como Kaushika Durga, também
chamada de Ambika. A beleza de Ambika atraiu os demônios, que, então,
desejaram se casar com ela. Ela fez a promessa de se casar com aquele
que fosse capaz de derrotá-la em batalha, mas se revelou desastrosa a
tentativa de todos os demônios. Mesmo com o auxílio de gigantes como
Dhumralochana, Chanda, Munda e Raktabija, fracassaram.
Da fronte de Durga, manifestou-se a bravia e negra Kali, que se
tornou conhecida como Chamunda por ter decapitado os demônios Chanda e
Munda. Quando lutou contra Raktabija, exigiu-se dela um empenho especial
por causa do poder que ele tinha de que cada gota de seu sangue que
espirrasse se tornava outro demônio. Foi Kali quem tomou a medida de
beber todo o seu sangue para impedir que novos demônios se
manifestassem. Deste modo, Durga foi capaz de matá-lo. Ela, então, matou
facilmente Nishumbha, mas Shumbha acusou-a de ter aceitado ajuda. A
Devi, então, recolheu todas as suas emanações em uma forma, após o que
deu continuidade à batalha e matou Shumbha.
Da fronte de Durga, manifestou-se a bravia e negra Kali.
Durga também é conhecida como Vaishnavi-shakti, o poder criativo do
Senhor Vishnu, a causa original. Também se chama Vindhyavasini (aquela
que vive nas montanhas Vindhya), Raktadanta (aquela de dentes
vermelhos), Shatakshi (aquela que é querida por ter cem olhos),
Shakambhari (aquela que confere aos vegetais a força da vida), Durgaa
(aquela que matou Durga, uma personalidade demoníaca), Bhima (a feroz) e
Bhramaramba (aquela que é querida por ter uma forma de abelhas).
A Devi também se manifesta como Maheshvari, que, de acordo com os
três modos da natureza material, também se manifesta como Mahakali,
Mahalakshmi e Mahasarasvati. Essas são diferentes das deusas Lakshmi e
Sarasvati, sobre as quais discutiremos posteriormente. No aspecto de
Mahakali, é considerada a personificação de
tamo-guna, ou modo da escuridão, sono e inércia. Ela também é
maya, a energia ilusória do Senhor Vishnu. Tal
maya tem que ser removida para que despertemos nossa identidade espiritual verdadeira. É dentro de
maya
que os aparentes poderes de mal e dissensão existem. Ela é
frequentemente retratada de pele azul e com dez braços, com cada um
deles segurando uma arma diferente, como espada, disco, maça, arco,
flecha, clava de ferro, lança, laço, cabeça humana e búzio.
Mahalakshmi é o aspecto de
rajo-guna, a natureza passional.
Nesse aspecto, é vista na cor vermelha, o que significa o desejo de
combater as forças maléficas. Ela possui dezoito braços, segurando
rosário, cântaro, maça, lança, espada, escudo, búzio, sino, taça de
vinho, tridente, laço e disco. Foi ela quem matou Mahishasura.
Mahasarasvati representa o aspecto sáttvico, ou da bondade e pureza.
Possui coloração clara e oito braços, que seguram um sino, um tridente,
um arado, um búzio, um pilão, um disco, uma maça e uma flecha. É a
manifestação da beleza, do trabalho e da organização. Foi ela, como
Kaushika Durga, que se manifestou como Parvati. Foi ela quem destruiu os
demônios conhecidos como Dhumralochana, Chanda, Munda, Raktabija,
Nishumbha e Shumbha, os quais são certos aspectos do princípio de ego.
Kali é outra forma da Deusa que é frequentemente vista em templos e
pinturas. É frequentemente retratada nua, estando coberta apenas por
seus cabelos esparramados. Possui tez escura. Usa um saiote de braços
humanos e uma guirlanda de crânios também humanos e, por vezes, carrega
uma cabeça humana em uma das mãos, recentemente cortada e pingando
sangue, e um grande cutelo na outra mão. As outras duas mãos estão
conferindo bênçãos e oferecendo proteção. Sua língua é projetada para
fora e, da mesma, pinga sangue. Também é comum vê-la retratada em um
crematório ou em um campo de batalha em meio a cadáveres mutilados.
Algumas vezes, está de pé sobre o corpo branco ou azulado de seu esposo,
Shiva. Ele, desta maneira, suplica-lhe que não destrua tudo.
Kali de pé sobre o corpo branco de seu esposo, Shiva.
O significado de tudo isso é que, antes de tudo, Kali representa o tempo,
kala,
o que devora tudo às suas maneiras terríveis. Ela não tem vestes porque
está livre do véu da ignorância, representado pelo universo, o qual
oculta nossa verdadeira identidade espiritual. Ela é negra porque
representa
tamo-guna, ou o vazio que tudo engoliu, incluindo o
espaço, o tempo e os ingredientes da natureza material. Seu saiote de
braços indica que ela está contente com as oferendas de nosso trabalho,
em virtude do que as usa. O saiote também representa o potencial interno
para manifestação externa aguardando por acontecer. Seus cabelos soltos
representam simplesmente sua liberdade de ir e vir como queira. A
guirlanda de cinquenta crânios representa as cinquenta letras do
alfabeto ou o som, a partir do que toda a manifestação material se
origina, e que agora está em um estado de destruição, indicado por Kali
usar essa guirlanda. Embora sua forma seja aterradora, ela também está
oferecendo destemor mediante os gestos de sua mão.
Outra explicação de por que a deusa Kali fica de pé sobre Shiva é
que, certa vez, Kali ocupou-se em uma batalha na qual destruiu todos os
demônios. Em comemoração à vitória, dançou tão vigorosamente que os
mundos começaram a balançar e mostrarem sinais de que seriam destruídos.
Todos ficaram ansiosos, motivo pelo qual Shiva foi até ela a fim de a
tranquilizar e fazê-la parar de dançar. Contudo, ela estava tão fora de
si que nem o notou nem o ouviu. Shiva, então, deitou-se a seus pés, como
um cadáver, para absorver o impacto de sua dança, e, quando ela
finalmente notou que havia pisado em seu esposo, colocou sua língua para
fora devido à vergonha.
A Identidade de Durga e a Diferença entre Mahamaya e Yogamaya
Sendo a personificação da energia material, Durga também é a criada
do Senhor Krishna, e se conduz de acordo com a vontade do Supremo. Sua
sombra é a energia material,
maya. Nessa forma de Durga, é
retratada como uma bela deusa de dez braços, representando os dez tipos
de atividades materiais. Ela está montada em seu leão, indicando suas
atividades heroicas. Ela é a subjugadora dos vícios, representados pela
imagem do demônio Mahishasura sendo pisado por ela. Kartikeya e Ganesha
são seus filhos, representando beleza e sucesso. Ela carrega vinte
armas, denotando as várias atividades piedosas prescritas nos
Vedas para a supressão de vícios. Ela também carrega uma cobra, que significa o tempo destruidor. A palavra
durga significa “prisão” ou “forte”, uma vez que o mundo material é como uma prisão da qual é difícil escapar.
Dur significa “dificuldade”, e
ga,
“ir”. É, portanto, muito difícil escaparmos deste mundo material sem
nos submetermos a muitas privações. Não obstante, quem se refugia na
potência espiritual pode se livrar da natureza ilusória do mundo
material. Quando os seres vivos se esquecem de sua natureza espiritual e
do serviço ao Ser Supremo, Krishna, são confinados na prisão material
do universo. Esse é o aspecto da criação material que é presidido por
Durga. Contudo, quem é devoto do Senhor e está no caminho espiritual
para reobter sua natureza verdadeira está livre do ambiente prisional do
universo – Durga não o afeta.
A forma espiritual de Durga é
yogamaya. A forma externa de Durga é
mahamaya, a energia ilusória. A forma espiritual de Durga, que funciona na plataforma de
shuddha-sattva, a existência transcendental pura, é compreendida como a irmã de Krishna, conhecida como Ekanamsha ou Subhadra.
9 O
nome Subhadra significa “muito auspiciosa”. Subhadra, portanto, também
abre caminho para o progresso espiritual do devoto fornecendo o que é
auspicioso e removendo tudo o que é inauspicioso. Então, essa é a forma
espiritual de Durga, cuja sombra é a energia material externa.
Subhadra, de cor amarela, ladeada por seus irmãos Balarama e Jagannatha, em Pune, Índia.
Devemos atentar a que Durga trabalha no mundo material. Subhadra faz o
papel de irmã do Senhor Krishna e é a energia interna ou espiritual, e
não opera, como Durga, no mundo material. Originalmente, portanto, sua
energia é uma, mas, através de sua expansão como Durga, ela trabalha em
uma competência diferente dentro do reino material.
Contudo, ainda superior a Subhadra é Radharani, a consorte do Senhor
Krishna e a quintessência da energia espiritual. Ela é a personificação,
essência e origem da potência de prazer do Senhor Krishna,
hladini-shakti.
Essa potência de prazer do Senhor Krishna se expande para se tornar
Radharani a fim de que aconteçam os passatempos espirituais mais
íntimos, em Goloka Vrinadavana, o planeta espiritual supremo. Desta
maneira, Durga também pode ser considerada uma expansão de Radharani.
Radharani, portanto, é a fonte da essência do prazer na dimensão
espiritual, ao passo que Durga fornece os meios para todo prazer no
âmbito material.
Podemos entender, por conseguinte, que a
mahamaya, manifesta no mundo material, é uma expansão de
yogamaya, do mundo espiritual.
Yogamaya administra o céu espiritual e, em sua expansão parcial como
mahamaya, administra o mundo material.
Yogamaya
encobre os devotos no mundo espiritual de modo que eles possam se
esquecer da grandeza do Senhor e se ocuparem em passatempos amorosos com
Ele como Seus amigos, familiares, criados e assim por diante sem se
sentirem oprimidos por Sua onipotência.
Mahamaya, atuante no
mundo material, por outro lado, mantém as entidades vivas esquecidas de
sua verdadeira natureza eterna enquanto não revelem alguma inclinação
espiritual. Isso as mantém superficialmente contentes com a felicidade
material. Assim,
yogamaya ajuda a unir os devotos com o Ser Supremo em vários relacionamentos, enquanto
mahamaya
os mantêm separados, ou ao menos faz parecer que estão separados
através do princípio do esquecimento a que é submetida a alma
individual.
O
Narada Purana (1.3.13-15) lista muitos nomes de Durga. Uma vez que é considerada uma das energias do Senhor, é tratada como Sua
shakti,
e se chama Uma, Bharati, Girija e Ambika. Os grandes sábios designam-na
como Durga, Bhadrakali, Chandi, Mahesvari, Kaumari, Vaishnavi (a
potência suprema do Senhor Vishnu), Varahi (a potência do Senhor Varaha,
uma encarnação de Krishna), Aindra, Shambhavi, Brahmi (conectada ao
Senhor Brahma), Vidya (conhecimento espiritual), Avidya (ignorância),
Maya (a energia ilusória do Senhor), e Para Prakriti (a natureza
primordial suprema).
Outros aspectos de Durga são acompanhados por um nome diferente e
frequentemente têm, cada um, uma história associada. Não narraremos cada
história, mas alguns dos nomes adicionais podem ser apresentados. Entre
esses nomes, figura Lalita, que é uma formosa deusa que vive
eternamente na cidade de Shripura, no monte Meru, com seu esposo, Shiva
Kameshvara. Annapurna é a forma de Parvati que abençoa o lar com
alimento. Aparajita significa Durga como a invencível. Bala significa
criança. Bhadrakali é um dos aspectos de Mahakali e a forma que surge de
sua ira quando seu esposo, Shiva, foi insultado por Daksha, forma essa
que lutou, ao lado de Virabhadra, a corporificação da ira de Shiva, para
destruir o sacrifício de Daksha. Bhairavi é a Devi como o poder de
aterrorizar – um dos dez aspectos da energia de Shiva. Bhavani é outro
nome. Bhutatma é a mãe dos
bhutas, ou fantasmas. Dakshayani é
Durga como a filha de Daksha. Gauri significa a amarela ou dourada
esposa de Shiva. Indrakshi possui olhos similares aos de Indra e é
frequentemente adorada por Indra. Ela também pode abrandar doenças
incuráveis quando agradada por meio de bons hinos. Jagadhatri significa
“aquela que sustenta o mundo”. Katyayani é a Devi em seu nascimento como
a filha de Kata. Parvati é a filha de Parvata, a personificação do
Himalaia. Rudrani é a esposa de Rudra. Tripura Bhairavi é a
shakti de Shiva quando ele é o regente da morte.
No
Brahma Vaivarta Purana (
Krishna-janma-khanda 118.35),
Durga fala com Shiva sobre como ela é uma expansão desde os reinos mais
elevados e explica a si mesma da seguinte forma: “Sou Mahalakshmi em
Vaikuntha, Srimati Radha em Goloka, Shivaa [ligada a Shiva] na região de
Shiva, e Sarasvati na morada do deus Brahma”. Assim, dos níveis mais
elevados do domínio espiritual, ela se expande a fim de incluir todas as
outras
shaktis ou potências.
O
Narada Purana (1.3.27) também explica isso em relação ao Senhor Vishnu: “A
shakti dEle é a grandiosa
maya, a confiável protetora do universo. Em razão de ser a causa material do universo, os estudiosos [também] a chamam de
prakriti”.
Essa energia ilusória,
maya, exerce um importante papel no processo criativo da manifestação cósmica. No
Srimad-Bhagavatam
(3.5.25), Maitreya explica a Vidura que a energia externa trabalha
tanto como a causa quanto como o efeito na manifestação cósmica. Essa
energia externa é conhecida como
maya, ou ilusão, e, somente através de sua agência, toda a manifestação material se faz possível.
Além de possibilitar a manifestação material, outra função de
maya
é encobrir os seres vivos dentro da energia material e, deste modo,
mantê-los em ilusão no que diz respeito à sua verdadeira identidade.
Essa categoria de esquecimento é um dos princípios fundamentais do mundo
material, sem o que as entidades vivas não poderiam se envolver com a
vida material. Afinal, se fosse óbvio demais a nós entidades vivas o
fato de que somos entidades espirituais, não ficaríamos satisfeitos com
as atividades materiais ou com a ocupação nos prazeres sensoriais
corpóreos. Então, para ajudar a providenciar um lugar de atuação para as
almas materialmente condicionadas que se mostram rebeldes e querem
viver fora do reino de Deus, esse esquecimento é necessário.
Na verdade, os seres vivos espirituais ficam apenas encobertos por essa nuvem de
maya,
a qual afeta sua consciência. Portanto, a meta de qualquer caminho
espiritual genuíno é simplesmente remover essa nuvem e a influência da
energia ilusória. Se um sistema religioso não pode fazer isso, então ele
é incompleto.
A
Brahma-samhita (5.44) também explica que
maya é como a sombra da potência de conhecimento, ou
chit, do Senhor, e também é adorada na forma de Durga, a agência criadora, preservadora e destruidora deste mundo material.
Os Shaktas
A tradição
shakta é uma das três principais tradições da cultura védica. O poder ou energia de Shiva é a
shakti, a corporificação do poder. Ela é o poder e o suporte de todo o universo. Assim, ela é a Mãe Universal. Aquele que adora a
shakti, ou a energia feminina divina, é um
shakta. Shiva representa a consciência eterna, enquanto a
shakti representa a mente e a matéria. Os
shaktas são aqueles que acreditam que a atividade original ou o princípio criativo da existência é a energia divina chamada
shakti.
Shakti
é a energia feminina inerente em tudo ao longo do universo, e é
considerada a companheira do Senhor Shiva em sua forma personificada.
As ideias originais da crença
shakta podem ser traçadas até o
Rig-veda e obras posteriores. Contudo, os
Vedanta-sutras (2.2.42-45) apontam alguns erros essenciais na filosofia
shakta. Por exemplo, considerar que a
shakti,
ou a energia, pode ser a causa independente do mundo não é uma
compreensão completa. A razão é que somente a energia não pode criar sem
a cooperação, direção e facilidade do energético, que, neste caso, é o
Criador ou Ser Supremo. A energia necessariamente tem uma fonte, o
energético. Assim, como explicamos, essa
shakti é, em última
instância, a energia do Senhor Supremo. Ela não é nem pode ser a única
causa do mundo. Ela trabalha muito proximamente com a energia do Senhor
na forma do Senhor Shiva.
Shaktas são comumente identificados por marcarem a fronte com um círculo vermelho ou traço vertical de mesma cor.
O Supremo é o energético ou a fonte e controlador da energia, assim
como a usina de energia é a fonte da energia elétrica que é controlada
para iluminar muitíssimas lâmpadas. Deste modo, a energia não pode
existir sem o energético. Por conseguinte, os seguidores do culto da
shakti
que imaginam que a energia é a causa do mundo não têm fundamentação na
autoridade védica conclusiva. Não é possível que meramente pela energia
todos os elementos do universo sejam produzidos. Da mesma maneira, não
vemos uma mulher produzir crianças sem a contribuição de um homem, senão
que somente através da energia dada pelo sêmen de um homem pode haver
concepção em uma mulher. Similarmente, somente se a
shakti, ou a natureza, for controlada e dirigida pelo contato com o
purusha,
Deus, pode haver a formação organizada dos elementos materiais. Desta
forma, tudo procede do Ser Supremo, como explicado na literatura védica,
e a
shakti não é independente.
Os
shaktas se dividem em dois grupos, um chamado a mão direita, e o outro chamado de grupo da mão esquerda. O grupo da mão direita, ou
dakshinachara, é o grupo ascético, enquanto a mão esquerda, ou
vamachara,
são aqueles que combinam exercícios ióguicos com práticas que são
frequentemente consideradas mais heterodoxas, as quais se chamam
panchamakara, ou “os cinco emes”, a saber,
madya (consumo de vinho),
mamsa (consumo de carne),
matsya (peixe),
mudra (grãos tostados),
maithuna
(sexo ritualístico) e também canções cerimoniais. Na maior parte dos
casos, o consumo de vinho e carne e as atividades sexuais se destinam a
serem utilizadas como parte de um rito sacrificial na adoração à deusa
Kali ou Durga.
Lakshmi
A deusa Lakshmi é a consorte e
shakti, ou potência, do Senhor
Vishnu. Lakshmi – ou Sri, quando especialmente tratada como a deusa da
beleza (embora, algumas vezes, consideradas como entidades distintas) – é
a deusa da fortuna, da riqueza, do poder e da amabilidade. Riqueza não
diz respeito apenas a dinheiro, mas também a valores superiores e
qualidade de vida. O poder da mente e do intelecto também é fundamental
se a pessoa quer ser verdadeiramente rica, o que inclui a riqueza
espiritual. Esses são pré-requisitos para a obtenção de conhecimento
espiritual, daí Lakshmi ser adorada nos dias quatro, cinco e seis do
festival de Navaratri, antes da adoração a Sarasvati, quem será
explicada em seguida.
Como a esposa do Senhor Vishnu, ela aparece quando quer que Ele o
faça, em cada um de Seus adventos, tais como Vamana, Parashurama, Rama
ou Krishna. Nesses adventos, ela apareceu, respectivamente, como Padma,
ou Kamala; Dharani; Sita, e Rukmini. Eles são inseparáveis.
Lakshmi é retratada como excepcionalmente bela, de pé sobre um lótus.
Com quatro braços, segura em duas de suas mãos flores de lótus, e a mão
direita inferior oferece bênçãos de fortuna, ao passo que a mão
esquerda inferior é mostrada erguida no
mudra, ou postura de mão, de conferimento de bênçãos.
Lakshmi, a deusa da fortuna.
As flores de lótus que ela carrega em suas mãos representam que
conhecer a si mesmo é a meta suprema da vida. Também indicam os vários
mundos e seres vivos em diferentes estados de desenvolvimento ou
evolução. Certas vezes, pode aparecer segurando um coco dentro de um
pote em uma mão, que é outra representação de Lakshmi. Quando, porém,
ela está na companhia do Senhor Vishnu, ela pode ser vista com duas ou
quatro mãos. Seus quatro braços indicam as quatro principais bênçãos da
existência humana, a saber,
dharma (atos de retidão e dever),
artha (prosperidade),
kama (prazeres sensuais) e
moksha
(libertação final). Ela sempre usa uma guirlanda de lótus e é
frequentemente vista com elefantes de ambos os seus lados oferecendo-lhe
artigos, como guirlandas, ou derramando sobre ela potes d’água, que,
por sua vez, podem exibir donzelas celestiais. Sua cor é frequentemente
negra, ou branca, rosa ou amarelo dourado. Quando sua cor é negra,
indica sua conexão com o Senhor Vishnu. Quando vista na cor amarelo
dourado, isso a representa como a fonte de toda fortuna e riqueza.
Quando branca, é vista como o modo da natureza mais elevado, a partir do
qual o universo se origina. E quando vista como rosada, isso representa
sua disposição de misericórdia ou compaixão para com todas as
criaturas, uma vez que ela é também a mãe de todos os seres.
Ocasionalmente, você pode vê-la em um templo apenas dela, sem a
companhia do Senhor Vishnu. Nesse caso, ela é vista sentada sobre um
trono de lótus e segurando em suas quatro mãos um
padma (lótus),
shankha (búzio),
amritakalasha (pote de néctar) e uma fruta
bilva.
O pote de néctar indica as bênçãos de imortalidade. A fruta que ela
segura representa os resultados de nosso trabalho ou ações, o que vem
pelas bênçãos dela. Quando essa fruta é um coco, indica que ela é a
fonte dos três níveis de criação, a saber, o grosseiro, o sutil e o
imperceptível. Se é uma romã, significa que todos os mundos estão sob
sua influência, aos quais ela é transcendental. E se a fruta é a
bilva, que é saudável porém não muito apetitosa, isso significa a bênção de
moksha, libertação.
Quando é retratada com oito braços, também segura um arco, uma
flecha, uma maça e um disco. No entanto, isso é, na verdade, um aspecto
de Durga, a saber, Mahalakshmi.
Não há muitos templos dedicados exclusivamente à Deusa Lakshmi. Ela
comumente recebe um espaço ao lado do Senhor Vishnu, ou um pequeno
santuário em um dos templos. Contudo, em alguns raros templos dedicados a
Lakshmi, você pode vê-la em um trono central com seus outros oito
aspectos, ou expansões, ao seu lado – quatro à direita e quatro à
esquerda. Essas expansões têm diferentes combinações de mãos segurando
vários objetos representando seus diferentes poderes. A mais popular
dessas é Gajalakshmi, exibida com quatro braços sobre um lótus de oito
pétalas. Esse seu aspecto é mais frequentemente visto posicionado sobre
portas de casas ou templos. Quando vista com duas mãos, é conhecida como
Samanyalakshmi e Indralakshmi.
Outros nomes para Lakshmi incluem Hira (joia), Indira (aquela que é
poderosa), Jaladhi-ja (nascida do oceano) e Lokamata (mãe do mundo).
Contudo, ela também se chama Chanchala, cujo significado é “instável”,
ou “aquela que jamais fica em um lugar por muito tempo”. Isso significa
que a boa fortuna e a riqueza comumente não permanecem com alguém por
muito tempo. Somente com o mais elevado respeito por Lakshmi ela
permanecerá no lar de alguém. Isso não significa apenas oferecer-lhe
adoração, mas também ter o zelo de não deixar que ela se vá facilmente
por gastar dinheiro em artigos ou projetos desnecessários.
Em algumas pinturas dela, é vista sobre uma coruja, que, em sânscrito, é
uluka,
outro nome para Indra, o rei dos céus. Assim, ela monta sobre o rei dos
deuses, o proprietário de toda riqueza material e de todo poder
material que um ser vivo poderia querer neste mundo, o que ainda não é o
mundo espiritual.
Em sua primeira encarnação, Lakshmi foi a filha do sábio Bhrigu e de
sua esposa Khyati. Posteriormente, nasceu do oceano de leite quando esse
foi batido pelos esforços cooperativos dos
devas (semideuses) e
asuras (demônios). Esse evento pode ser lido no
Bhagavata Purana
(8.6-8). Em resumo, os demônios e os semideuses estavam em prolongado
conflito entre si. Porque os semideuses ofenderam e foram amaldiçoados
pelo sábio Durvasa Muni, perderam seu reino celeste quando derrotados
pelos demônios. Assim, os semideuses foram ter com o Senhor Brahma a fim
de explicarem a situação. Todos eles, então, foram oferecer orações ao
Senhor Vishnu, que, satisfeito com eles, aconselhou-os em relação a como
deveriam proceder. Cumprindo essas instruções, os semideuses fizeram um
acordo de trégua com os demônios a fim de que pudessem trabalhar juntos
na batedura do imenso oceano de leite, pelo que o néctar da
imortalidade seria produzido, o que todos eles naturalmente queriam.
Muitas outras coisas surgiram dessa batedura, tal como um poderoso
veneno, bebido pelo Senhor Shiva. Depois disso, entre outras coisas e
personalidades, veio Lakshmi, a deusa da fortuna. Ela foi adorada pelos
grandes sábios e semideuses, mas não foi capaz de encontrar alguém para
ser seu esposo, em virtude do que selecionou o Senhor Vishnu, que lhe
deu um local onde pudesse sempre ficar.
Sarasvati
O significado literal do nome Sarasvati é aquela que dá o conhecimento essencial (
sara) de nosso próprio eu (
sva).
A deusa Sarasvati também é considerada a deusa da aprendizagem, ou da
educação, inteligência, perícias, artes e habilidades. Como é a consorte
de Brahma, que é considerado a fonte de todo conhecimento, Sarasvati é o
conhecimento em si. Assim, muitos estudantes ou mesmo eruditos podem
adorá-la a fim de receberem suas bênçãos. Ela é descrita como de tez
branca, e muito bela e graciosa.
Ela é frequentemente retratada sentada sobre um lótus, que simboliza
que ela tem por base a experiência da Verdade Absoluta. Assim, ela não
apenas tem o conhecimento, mas também a experiência da Realidade
Altíssima. Ela segura em suas quatro mãos um instrumento
vina, uma
akshamala (contas de orar) e um
pustaka
(livro) na esquerda, livro esse representando o conhecimento de todas
as ciências. Ela segurar o livro, ou as escrituras, em uma mão também
indica que somente esse conhecimento pode nos levar à Verdade. A
vina mostra a beleza de aprender as belas artes. Tocando sua
vina,
ela sintoniza a mente e o intelecto com o conhecimento dela, e, deste
modo, o buscador pode ficar em harmonia com o universo. As contas de
oração representam todas as ciências espirituais, como meditação e
japa
(canto dos santos nomes de Deus), e, sendo seguradas na mão direita,
indicam que se trata de algo mais importante do que o conhecimento
secular contido no livro em sua mão esquerda. Seus quatro braços
representam seu irrestrito poder nas quatro direções. Ela também
representa criatividade, ou a combinação de poder e inteligência, a base
da criatividade.
Sarasvati, deusa da aprendizagem.
Seu nome significa literalmente “aquela que flui”, o que pode ser
aplicado a pensamentos, palavras ou ao fluir de um rio. Ela é a deidade
de um rio no
Rig-veda. Seus outros nomes incluem Sarada
(outorgadora da essência), Brahmi (esposa de Brahma), Mahavidya
(portadora do conhecimento supremo), Bharati (eloquência), Maha-vidya
(conhecimento transcendental), Arya (nobre), Maha-vani (o verbo
transcendental), Kamadhenu (aquela similar a uma vaca realizadora dos
desejos), Dhaneshvari (a divindade da riqueza) e Vagishvari (mestra da
fala). É através da fala que o conhecimento se manifesta em ação. É por
meio dela que a linguagem e a escrita se revelam.
Ocasionalmente, também é mostrada com cinco cabeças e oito braços,
representando seus poderes adicionais. Outros objetos que ela pode
segurar incluem o
pasha (laço),
ankusha (aguilhão),
chakra (disco),
padma (lótus),
trishula (tridente) e
shankha
(búzio). Algumas vezes, também é vista montada em um cisne, o
transportador de seu esposo, Brahma. Em outros momentos, é vista montada
em um pavão ou sentada com um pavão próximo a ela. O pavão representa a
beleza mundana, que pode distrair o aspirante espiritual. O cisne
carrega o significado da aquisição de sabedoria e conhecimento, uma vez
que esse animal tem a habilidade de separar o leite da água quando bebe,
ingerindo apenas o leite.
Sarasvati também é a
shakti, ou poder, de Brahma, o criador
secundário do universo. Ela, deste modo, também é considerada uma mãe do
universo. Destarte, também é associada à fertilidade.
Gayatri
Gayatri é a deusa que é a personificação do sagrado
mantra
Gayatri, que é entoado três vezes ao dia. Ela o compartilha com as
deusas Savitri e Sarasvati. Gayatri tem quatro faces, e quatro ou dez
braços, e monta um cisne. Ela preside o canto matinal da oração, e
preside também o
Rig-veda e os fogos sagrados de nome
garhapatya. Esses eram os fogos sagrados que os três
varnas conhecidos como
brahmanas,
kshatriyas e
vaishyas
tinham de manter em suas casas para a feitura de rituais sagrados.
Então, a deusa Savitri preside o canto da oração ao meio-dia. Ela possui
quatro faces com doze olhos, tem quatro braços e monta um touro. Ela
também rege o
Yajur-veda e o fogo
dakshina. Sarasvati, por sua vez, rege a entoação noturna da oração e o
Sama-veda.
Srimati Radharani
Srimati Radharani é a Deusa Suprema. Ela é vista quase sempre com o
Senhor Krishna. Descreve-se que Ela é a principal associada e devota do
Senhor Krishna, bem como a maior de todas as deusas. Seu nome significa
que Ela é a melhor adoradora do Senhor Krishna. Contudo, também é uma
expansão da energia do Senhor. Uma vez que é uma extensão de Krishna,
Ela é o aspecto feminino de Deus. Assim, na tradição
vaishnava gaudiya,
Deus é tanto masculino como feminino. Eles são Um, mas Krishna Se
expande em dois, Ele próprio e Radharani, para a possibilitação de
passatempos amorosos e divinos. Se permanecessem Um, não haveria nem
relacionamentos, nem passatempos, nem trocas dinâmicas de amor. (
Chaitanya-charitamrita,
Adi-lila 4.55-56)
Se todos nós permanecêssemos fundidos ou amalgamados em uma única
força ou luz, não haveria necessidade de nada mais. Certamente não seria
necessária esta manifestação material para providenciar às inumeráveis
almas condicionadas os meios para buscarem o caminho para satisfazerem
seus sentidos, mentes, emoções, desejos para autoexpressão, atividades
intelectuais e tantas outras coisas. Similarmente, o mundo espiritual é a
manifestação dentro da qual todas as almas têm a oportunidade de se
ocuparem em uma imensa pluralidade de passatempos em relacionamentos
amorosos em plena variedade espiritual, sem os muitos impedimentos que
encontramos neste mundo material. A única diferença é que o mundo
espiritual é centrado em torno do Ser Supremo. E essa Personalidade
Suprema expande-Se em Radharani para exibir o relacionamento amoroso
supremo, no qual muitos outros O auxiliam.
No
Brihad-Gautamiya Tantra, Radharani é assim descrita:
devi krishna-mayi prokta
radhika para-devata
sarva-lakshmi-mayi sarva
kantih sammohini para
“A deusa transcendental Srimati Radharani é a contraparte direta do
Senhor Sri Krishna. Ela é a figura central para todas as deusas da
fortuna. Ela possui toda atratividade para atrair a todo-atrativa
Personalidade de Deus. Ela é a potência interna primordial do Senhor”.
Radharani, a Deusa Suprema.
O
Brihad-Gautamiya Tantra explica ainda que Radha é conhecida
como a Deusa Suprema, a fonte de toda abundância e toda beleza, e possui
o poder de encantar a todos. Toda a existência dEla é permeada por Sri
Krishna. Desta maneira, portanto, Ela é a Deusa Suprema do amor, pois é a
consorte do Senhor Krishna, que é o Supremo Deus do amor.
Explicando mais detalhadamente, Srimati Radharani é também a fonte de
todas as outras deusas, que são expansões Suas. Assim como o Senhor
Krishna é a fonte de todas as outras expansões e encarnações de Deus,
Radharani é a fonte de todas as demais expansões das energias de Deus,
as
shaktis, ou outras deusas. Assim, Vishnu, Rama e mesmo Shiva
são todos expansões do único Ser Supremo, e, similarmente, Lakshmi, Sita
e mesmo Durga são todos expansões dessa forma feminina suprema de Deus,
Radharani.
Explica-se que as amadas consortes do Senhor Krishna são de três
tipos, a saber, as deusas da fortuna, ou Lakshmis; Suas rainhas; e as
vaqueirinhas de Vraja, chamadas
gopis. Todas elas procedem de
Radharani. As Lakshmis são manifestações parciais, ou porções plenárias,
de Srimati Radharani, ao passo que as rainhas em Vaikuntha e em Dvaraka
são reflexos de Sua imagem. As
vrajadevis, ou
gopis, são Suas expansões e auxiliam na ampliação de
rasa,
ou os passatempos divinos e amorosos. Entre eles, há muitos grupos com
vários sentimentos e humores, os quais contribuem para a saboreação da
doçura da dança da
rasa e outros passatempos da parte do Senhor Krishna. (
Chaitanya-charitamrita,
Adi-lila 4.75-81)
“Entre as
gopis de Vrindavana, Srimati Radharani e outra
gopi
são consideradas as principais. Contudo, quando as comparamos, parece
que Srimati Radharani é mais importante, haja vista que Seu aspecto
verdadeiro expressa o êxtase de amor mais elevado. O êxtase de amor
experimentado pelas demais
gopis não pode ser comparado àquele de Srimati Radharani”. (
Ujjvala-nilamani 4.3, de Rupa Gosvami)
Radharani possui muitos nomes de acordo com Suas qualidades e
características. Alguns dos nomes pelos quais Radharani é conhecida
incluem Govinda-anandini, “aquela que confere prazer a Govinda
[Krishna]”; Govinda-mohini, “aquela que mistifica Govinda”;
Govinda-sarvasa, “aquela que é tudo para Govinda”; Shiromani
Sarva-kanta, “a joia mais preciosa entre todas as consortes do Senhor”, e
Krishnamayi, “aquela que vê Krishna tanto dentro quanto fora”. Ela
também é chamada de Radhika nos
Puranas porque Sua adoração [
aradhana] ao Senhor consiste em realizar os desejos dEle.
Aradhana
é a raiz do nome Radharani, que indica alguém que é perita em adorar o
Senhor. Ela também Se chama Sarva-lakshmi, “a fonte original de todas as
deusas da fortuna”. Isso também significa que Ela é a energia suprema
do Senhor Krishna, e representa Suas seis opulências, a saber, fama,
fortuna, força, riqueza, conhecimento e desapego. Também é conhecida
como Sarva-kanti, o que indica que toda beleza e brilho repousam em Seu
corpo, e a beleza de todas as Lakshmis deriva dEla. Sarva-kanti também
significa que todos os desejos do Senhor Krishna repousam em Srimati
Radharani. Assim como o Senhor Krishna encanta o mundo com Sua beleza e
Seu encanto, Sri Radha O encanta. Portanto, Ela é a Deusa Suprema. Sri
Radha é o poder completo, e o Senhor Krishna é o possuidor de todo
poder. (
Chaitanya-charitamrita,
Adi-lila 4.82, 84, 87-96)
Assim, os dois não são diferentes, assim como os raios solares não são
diferentes do Sol, ou assim como a energia não é diferente do energético
ou da fonte de energia.
Sem Radha, não há sentido para Krishna, e, sem Krishna, não há sentido para Radha. Por causa disso, na tradição
vaishnava,
sempre oferecemos respeitos primeiramente à energia interna do Senhor
na forma de Radha, e, então, ao Senhor. Assim, são referidos como
Radha-Krishna, ou, em outros nomes, como Sita-Rama, Lakshmi-Narayana e
assim por diante. Assim, Radha e Krishna são Um, mas, quando o Senhor
Krishna deseja desfrutar, Ele Se manifesta como Radharani. De outro
modo, não há nenhuma energia em que Krishna possa obter prazer, pois não
obtém prazer fora de Si.
Também se descreve que a potência de amor de Deus se chama
hladini,
a potência de prazer do Senhor. Quando quer que o Senhor deseje
desfrutar de prazer, Ele exibe Sua potência espiritual pessoal conhecida
como
hladini. E a essência desse amor está na emoção chamada
bhava. O desenvolvimento último dessa emoção é
mahabhava, ou grande
bhava.
Mahabhava
é repleto da potência de prazer, e é uma exibição do amor mais elevado
pelo Senhor Krishna. Sri Radharani é a corporificação dessa consciência
transcendental encontrada em
mahabhava. Sua mente, Seus sentidos e
Seu corpo estão sempre imersos nessa categoria mais elevada de amor por
Krishna. Ela é tão espiritual quanto o próprio Senhor.
Ela, então, expande-Se em diferentes formas, conhecidas como Lalita,
Visakha e Suas outras companheiras confidentes, as quais ampliam a
disposição de amor divino. Contudo, sendo o aspecto
hladini do
Senhor, é também a fonte derradeira de toda felicidade para todos os
seres vivos. Em outras palavras, tudo o que confere prazer e felicidade
dentro dos mundos espirituais e materiais o faz por causa dEla e da
energia que dEla emana. (
Chaitanya-charitamrita,
Adi-lila 4.68-72)
Krishna e Radharani na companhia de Lalita, Visakha e outras companheiras confidentes de Radha.
Essa potência de prazer se expande e se difunde pelos mundos
espirituais, após o que desce à criação material nas muitas formas de
felicidade que são experimentadas pela alma condicionada, embora possa
ser chamada por diferentes nomes e percebida de variadas maneiras. Uma
vez que todos nós somos partes e parcelas do Senhor, também temos essa
potência de prazer dentro de nós em um grau diminuto. O erro é estarmos
tentando desfrutar dela no mundo material. Somos como centelhas que
estão se apagando devido a termos deixado o nosso lugar, que é o fogo
radiante da companhia do Senhor Krishna.
O
mantra Hare Krishna dirige a atenção e a devoção de quem o
entoa tanto para Radha quanto para Krishna. Radha também é conhecida
como a mãe Hara, que, no vocativo dentro do
mantra, se torna
Hare. Ao cantar Hare Krishna, portanto, estamos nos dirigindo
primeiramente à potência interna do Senhor e solicitando a Radha que
bondosamente nos ocupe a serviço do Senhor Krishna. Concentrarmo-nos em
Krishna através de Seus nomes é uma forma desse serviço. Em outras
palavras, é por meio de Radha que o sujeito obtém mais facilmente
Krishna e o serviço a Krishna. Essa é a vantagem de nos aproximarmos do
Senhor Krishna pela mediação de Radharani.
As descrições da beleza de Radharani são maravilhosamente poéticas e
descritivas. Com efeito, os residentes de Vrindavana se importam mais
com Radharani do que com o Senhor Krishna. Eles sabem que Krishna pode
ser influenciado por meio de Radharani. Sabem que Radha pode levar a
pessoa até Krishna. Ela também é a natureza compassiva do Senhor, motivo
pelo qual é mais fácil aproximarmo-nos dEla do que nos aproximarmos
diretamente do Senhor Krishna. E quando lemos as descrições de Radha,
vemos que não há nada de espantoso em relação ao quanto são devotados a
Ela. Por exemplo, explica-se que Srimati Radharani possui ilimitadas
qualidades transcendentes, das quais vinte e cinco são principais. Estas
são: (1) Ela é muito doce, (2) é sempre viçosamente jovem, (3) possui
olhos inquietos, (4) sorri radiantemente, (5) possui linhas belas e
auspiciosas, (6) faz Krishna feliz com Seu aroma corpóreo, (7) é muito
perita em cantar, (8) Sua fala é encantadora, (9) é muito perita em
brincar e falar de modo aprazível, (10) é muito humilde e meiga, (11) é
sempre plena de misericórdia, (12) é esperta, (13) é perita na execução
de Seus deveres, (14) é tímida, (15) é sempre respeitosa, (16) é sempre
calma, (17) sempre grave, (18) é destra no desfrute da vida, (19)
situa-Se no mais elevado nível de amor extático, (20) é o reservatório
dos assuntos amorosos de Gokula, (21) é a mais famosa entre todos os
devotos submissos, (22) é muito afetuosa para com pessoas mais velhas,
(23) é deveras submissa ao amor de Suas amigas, (24) é a principal
gopi
e (25) sempre mantém Krishna sob Seu controle. Resumidamente; assim
como Krishna, Srimati Radharani possui ilimitadas qualidades
transcendentais. (
Ujjvala-nilamani,
Sri-radha-prakarana 11-15)
Descrevendo Srimati Radharani, Rupa Gosvami também diz em seu
Vidagdha-madhava
(1.32): “A beleza dos olhos de Srimati Radharani devor à força a beleza
de flores de lótus azuis recém-desabrochadas, e a beleza de Sua face
supera aquela de toda uma vastidão de lótus plenamente florescidos. Seu
brilho corpóreo parece deixar até mesmo o ouro em uma situação dolorosa.
É assim que a beleza maravilhosa e sem precedentes de Srimati Radharani
está despertando Vrindavana”.
Gokulananda (Krishna) e Radharani. Deidades do Bhaktivedanta Manor, Londres, Inglaterra.
“Embora a refulgência da Lua revele-se brilhante à noite, ela se
apaga durante o dia. Similarmente, embora os lótus sejam belos durante o
dia, eles se fecham à noite. Contudo, ó Meu amigo, a face de Minha
amadíssima Srimati Radharani é sempre esplendorosa e bela, tanto ao
longo do dia quanto ao longo da noite. Portanto, a que Sua face pode ser
comparada?”. (
Vidagdha-madhava 5.20)
“Quando Srimati Radharani sorri, ondas de júbilo tomam conta das
maçãs de Seu rosto, e Suas sobrancelhas arqueadas dançam como o arco de
Cupido. Seu olhar é tão encantador que é como um abelhão dançante,
movendo-se irregularmente devido à intoxicação. Essa abelha mordeu o
verticilo do Meu coração”. (
Vidagdha-madhava 2.51)
Muitos dos grandes preceptores espirituais na linha
vaishnava
escreveram livros para explicar e glorificar o amor divino entre Radha e
Krishna. Alguns deles são Jayadeva, Bilvamangala, Rupa Gosvami,
Sanatana Gosvami, Krishnadasa Kaviraja, Raghunatha Dasa, Ramananda Raya,
Prabhodananda Sarasvati e Bhaktivinoda Thakura.
Esse amor devocional a Deus, que é considerado o desenvolvimento mais
elevado do despertar espiritual, é muito expresso através das artes,
como pinturas, dança, poemas, música etc. Tais santos famosos por suas
canções acerca do amor a Sri Krishna incluem Chandidas, Jayadeva,
Surdas, Mirabai, Tulasidas, Tukaram, Narottama Dasa Thakura e muitos
outros.
Há muito mais a se falar sobre Srimati Radharani, mas este conteúdo é
o bastante por ora. Enfim, a troca espiritual de amor divino entre
Radha e Krishna é a exibição da energia interna do Senhor, e é muito
confidencial e difícil de entender. Nenhum materialista pode entender,
mesmo que superficialmente, este tópico do relacionamento entre
Radharani e o Senhor Krishna. Porém, quanto mais despertamos nosso amor
dormente por Deus, que é o estado natural de ser para uma alma
completamente desperta, mais podemos compreender e de fato entrar nessas trocas amorosas espirituais.
Fonte: Google e o livro das Deusas.
Daniel Carletti